Uma carta sobre o poder, a ilusão e a liberdade
O escritor Tenório Telles aborda um fato recente da política manauara, sob a ótica do filósofo e imperador romano Marco Aurélio. | Leia

Ednilson Maciel, por Tenório Telles*
Publicado em: 14/08/2024 às 10:15 | Atualizado em: 14/08/2024 às 10:40
Esta carta é para um leitor improvável, talvez não seja lida por ninguém. Afinal, que relevância tem, em nossos dias, questionar as ilusões, a falta de humildade e a vaidade que cegam a quase todos? Vivemos num tempo em que a soberba e o sentimento de empoderamento regem as atitudes e o modo de ser de muitas pessoas, especialmente dos que atuam na arena política.
Pois bem, leitor, essa reflexão me surgiu a partir da leitura das “Meditações”, do filósofo e imperador romano Marco Aurélio, e seus questionamentos sobre a vida, a inconstância, o poder e a resiliência. Governou Roma num tempo de expansão e prosperidade, mas teve de pagar o preço: enfrentou guerras contra opositores, incompreensões e as conspirações palacianas. Sua sabedoria foi sua principal arma na sua luta para manter o poder. Sabia que para resistir a tudo precisava ser “como a rocha sobre a qual as ondas continuam quebrando. Ela permanece impassível, e a fúria do mar cai silenciosa à sua volta”.
Esse aforismo de Marco Aurélio resume as qualidades de um líder: as “ondas”, a que se refere, são os desafios com os quais temos de lidar e, para vencê-los, devemos ser como “a rocha” que, na sua firmeza, resiste ao impacto. Ela sabe da sua força, por isso “permanece impassível” a tudo que a ameaça, e, assim, nem mesmo a fúria do mar a abate. Como falei no início do “empoderamento” dos atores que atuam no palco da política, essa qualidade, apontada por Marco Aurélio, é indispensável para quem pretende ter sucesso na vida pública.
Soube esses dias da atitude reativa do candidato Amom Mandel a um questionamento feito pela jornalista Paula Litaiff sobre o uso, durante o debate dos candidatos à prefeitura de Manaus, de um utensílio auditivo. Se o deputado tivesse lido as meditações de Marco Aurélio saberia que todo marujo que se lança no mar das disputas políticas precisa aprender a enfrentar as ondas e as dificuldades da navegação. E ser “impassível” diante das intempéries.
Não conheço o deputado Amom, mas se tivesse oportunidade de lhe fazer alguma sugestão em relação ao acontecimento mencionado, simplesmente lhe diria: leia com urgência as “Meditações” desse grande líder político que foi Marco Aurélio. E lhe diria ainda: aproveite que és jovem, desenvolva suas habilidades de liderança – sabedoria, humildade, confiança e discernimento – e seja o melhor que puderes ser e, como dizia o sábio romano, “abrace totalmente a busca em que embarcou”. Talvez o candidato Amom não tenha a dimensão de suas conquistas, do tanto que já alcançou e, ainda, tão jovem. E o quanto que ainda pode alcançar e ajudar sua gente.
Entre os pressupostos da democracia estão a liberdade de pensamento e de expressão. Sem esses fundamentos reinará a tirania. Quem se dispõem a participar da vida republicana precisa honrar esses princípios sob quaisquer circunstâncias. O que a jornalista Paula Litaiff fez, ao cobrir o debate dos candidatos, é o feijão com arroz da vida democrática e da liberdade de imprensa e, para que ela aconteça, o jornalista tem a prerrogativa de perguntar e esclarecer fatos e dúvidas para informar seus leitores.
Para resumir esse acontecimento, voltemos ao século XVIII, um dos períodos mais significativos para a conquista das liberdades, quando intelectuais como Voltaire, Diderot, Rousseau, entre outros, lutaram contra o absolutismo e a impossibilidade até de escrever, imagine de falar… Nessa época a pena para o crime de divergir poderia ser a forca. Hoje, a luta pelo direito de questionar e divergir ainda tem seus riscos: ameaças, intimidação, perseguição e, esse instrumento inquisitorial de nosso tempo, a tentativa de cancelamento do outro.
Pois bem, caro leitor, concluo retomando a célebre frase atribuída a Voltaire, mas que não é dele, embora resuma sua filosofia e sua jornada: “Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito que tens de dizê-lo”.
Esse fundamento continua sendo uma condição para a existência da vida democrática. E por fim, resta evidente que, quem deve se retratar, nessa polêmica pouco edificante, não é a jornalista Paula Litaiff, que estava apenas fazendo o seu trabalho, mas o candidato Amom, que poderia aproveitar essa oportunidade para reconsiderar seu gesto e dar a todos um exemplo de humildade, grandeza humana e compromisso com a democracia e a liberdade de expressão. Marco Aurélio diz algo sobre isso: “a verdadeira boa sorte é o que você faz a si mesmo. Boa sorte: bom caráter, boas intenções e boas ações”.
Boa sorte, leitor.
* O autor é escritor, professor, poeta, ensaísta, dramaturgo e crítico literário