Um dia cinza com o asfalto sujo de sangue

Mariane Veiga, Por Lúcio Carril*
Publicado em: 31/03/2020 às 11:40 | Atualizado em: 31/03/2020 às 11:40
O dia não estava pra chuva nem para trovoadas, mas tudo se fez cinza. O amanhecer não teve aurora, porque aurora tem poesia. Não ouve brilho, só escuridão. Até as pedras se incomodaram com aquele dia nefasto.
Não era um dia comum. Noutros dias, não havia coturno nem tanques; o dia também não era cinza.
Homens carrancudos tomaram conta das ruas e pintaram o asfalto de vermelho com o sangue dos homens de bem. Nada era normal. Só um rastro de sangue era deixado pelo corpo arrastado.
Nunca vou esquecer o dia 31 de março de 1964. Foi um dia cinza com rastro de sangue dos meus irmãos e irmãs.
Muito sangue jorrou dos porões fétidos da tortura. A humilhação virou arma e nem mesmo o homem sem cor se salvou. Qualquer um era culpado, sujeito aos maus-tratos dos vegetais fardados. O dia ficou cinza, cheio de tristeza e com cheiro de morte.
Era um golpe duro contra a vida. Ninguém queria viver num país cinza, com o vermelho escorrendo apenas do corpo de quem pensava em democracia. Todos os dias viraram dias de tristeza e sofrimento. A vida ficou pior com milicos dando ordens e fazendo safadeza.
Foram tempos duros, com gente de bem sendo presa, torturada e morta para não deixar o sol raiar.
Dias difíceis. E ainda sentimos o cheiro da podridão.
O *autor é sociólogo e comunista.
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Foto: Reprodução