Trump e os seus espelhos mágicos
Os Estados Unidos da América serão governados, durante quatro anos, por um narcisista de grau muito elevado. Leia no artigo do sociólogo Aldenor Ferreira

Ednilson Maciel, por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 01/02/2025 às 00:05 | Atualizado em: 01/02/2025 às 00:07
Há uma canção gospel brasileira cuja letra, em determinado momento, declara: “os homens e seus espelhos mágicos, nada veem além de si mesmos”. Até agora não encontrei sentença mais apropriada para definir o comportamento do atual presidente norte-americano Donald Trump.
Os Estados Unidos da América, cuja contribuição científica para a humanidade está registrada nos anais da história, serão governados, durante quatro anos, por um narcisista de grau muito elevado. Trump, como todo narcisista, só vê beleza em si mesmo, despreza e acha feio tudo aquilo que não é espelho, para citar, aqui, uma frase da música “Sampa”, de Caetano Veloso.
O problema é que esse narcisista vai administrar o maior arsenal atômico do mundo, uma máquina de guerra que se retroalimenta principalmente a partir da doutrina do Destino Manifesto. Um conjunto de crenças segundo as quais é papel dos Estados Unidos ser a luz do mundo e levar para outros povos a democracia e a liberdade.
Nesse sentido, claro está, o mundo corre grandes riscos, pois o narcisista é incapaz de amar e se importar com o outro. O amor é só dele e para ele. A vaidade e o egoísmo extremado também tornam o narcisista incapaz de se compadecer. Isso pode-se ver nas medidas tomadas no primeiro dia de mandato de Trump em relação aos imigrantes, à saúde pública, à ciência e à convivência pacífica entre as nações.
Desprezo
Outra característica do narcisista é o desprezo. Com Trump não poderia ser diferente. Trata-se de um homem que é incapaz de amar outrem. Na verdade, a utilização do desprezo e do deboche funcionam como uma proteção para si mesmo. São escudos cuja finalidade é proteger e afastar qualquer possibilidade de divisão de sua glória com quem quer que seja.
Nesse contexto, é perda de tempo para qualquer alma desavisada manifestar amor e admiração ao homem alaranjado. A pessoa pode até tentar, mas receberá de volta a indiferença. Com muita frieza e sem o menor constrangimento, ele aplica seu narcisismo aos abobados eleitores latinos e outros imigrantes que o apoiaram na eleição. Todas as ações de governo tomadas até agora refletem o desprezo, a perversidade e a frieza de sua personalidade narcisista.
Nesse contexto, a pergunta que fica é: que deus irá nos vingar? No mito grego de Narciso, por vingança dos deuses, ele é amaldiçoado. Conta-se que, por causa de sua beleza, a ninfa Eco se apaixonou perdidamente por ele. Mas, ao tentar se aproximar, foi tratada com desprezo. Rejeitada, a ninfa mergulhou na tristeza e definhou até sobrar apenas a sua voz, que passou a ecoar pelos vales.
Os deuses acharam a atitude de Narciso extremamente cruel. Coube à deusa Nêmesis – a deusa responsável pelo equilíbrio das coisas –, a aplicação da justiça. Ela condenou Narciso a se apaixonar pela própria beleza refletida na água. E assim aconteceu. Ao ver a sua imagem refletida, ele ficou obcecado e paralisado diante do que via. Incapaz de se mover, definhou até a morte naquele mesmo lugar.
Conclusão
Certamente, o narcisismo de Trump coloca o mundo em perigo. A sua política de ódio, de desprezo pelas minorias, pelos imigrantes, pela democracia, o seu negacionismo científico e climático terão consequências desastrosas.
Minha esperança é que esse comportamento provoque a ira dos deuses e que eles nos vinguem ao seu modo, como fizeram com Narciso; que ele fique obcecado e paralisado diante de seus espelhos mágicos. E que esses espelhos se quebrem rapidamente.
*O autor é sociólogo.
Foto/ilustração: Gilmal