Trocando floresta por gado

Neste artigo, a autora discute o aumento de queimadas na Amazônia, apontando a relação com o avanço da agropecuária, gado e soja sobre a floresta, bem como as implicações para o meio ambiente e a saúde da população.

Diamantino Junior

Publicado em: 12/10/2023 às 13:05 | Atualizado em: 12/10/2023 às 13:08

Por Dassuem Nogueira*

A maior população da Amazônia brasileira respira fumaça. Há muitos relatos de conjuntivite alérgica, irritação das vias aéreas e dor de cabeça. Sintomas causados pela fumaça que 2.063.547 pessoas respiram há pelo menos um mês.

O fenômeno El niño tem sido apontado como um dos culpados. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o fenômeno produz o aumento atípico das temperaturas e deixa o ar seco, favorecendo a propagação do fogo.

Contudo, ainda considerando o fenômeno e o agravamento das mudanças climáticas, o fogo na Amazônia não é um fenômeno natural.

Na Califórnia, por exemplo, o fogo espontâneo em função do ar seco faz parte do bioma chaparral no verão. Mas a umidade na floresta amazônica, não permite o fogo espontâneo.

O fogo na Amazônia é sempre causado por ação humana. O clima mais seco e as altas temperaturas do El niño proporcionam o escape do fogo de áreas inicialmente controladas para o entorno, não raro, fugindo do controle.

Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que faz o monitoramento das queimadas no Brasil, encontramos sete municípios do Amazonas entre os dez com maior número de focos de fogo.

No total, o Amazonas está atrás apenas do Pará no ranking nacional. Chama atenção que nove dos dez municípios do ranking nacional estão na Amazônia Legal. O único fora do bioma é o Mato Grosso.

Os dados em tempo real do Inpe apontam que 52,7% das queimadas ativas do Brasil ocorrem na Amazônia.

Fonte: Inpe, 2023.

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Passando a boiada

Na ordem, Porto Velho, Lábrea, Apuí, Novo Aripuanã e Manicoré estão no ranking nacional dos dez municípios com maior quantidade de focos de queimadas. Esses municípios compõem a área conhecida como o “arco do desmatamento”.

O relatório publicado no dia 6 de outubro pelo Mapbiomas, iniciativa de ongs e universidades para mapeamento dos biomas do Brasil, as queimadas nesses municípios representam o avanço da agropecuária, de gado e soja, sobre a floresta.

Fonte: Mapbomas, 2023.

Há ainda evidências de que, muitas vezes, a abertura de novos pastos é, na realidade, uma estratégia para grilagem e especulação de terras em áreas públicas.

Em entrevista para a DW Brasil, a pesquisadora do IPAM, Ane Alencar alerta que “o investimento do invasor não pode ser muito alto porque o risco de perda da área é grande. Por isso a pecuária avançou tanto na região, porque o boi é relativamente fácil de manejar – e de vender”.

Os dados do Inpe mostram aumento do desmatamento desde 2019, o que coincide com o governo de Jair Bolsonaro, que encorajou a prática de diversos crimes, inclusive ambientais.

O relatório do MapBiomas confirma que três em cada quatro hectares de pasto na Amazônia (73%) foram formados a partir dos anos de 1990. Desses, 14,8% foram formadas nos últimos cinco anos.

A nova maneira de legalizar o uso de terras consiste em colocar o gado para demarcar o uso. Em seguida, faz-se os trâmites legais para a regularização fundiária.

Desse modo, nos últimos dez anos, a Amazônia ultrapassou o bioma do cerrado em área de pasto no país.

Fonte: Inpe, 2023

Outro dado preocupante é o avanço da agricultura da soja Amazônia. Nos últimos dez anos, a cultura do grão passou de 1 milhão para 7 milhões de hectares.

O Ipam explica que o desmatamento pelo fogo é uma prática secular de pequenos a grandes produtores, antigos e novos empreendedores da agropecuária para derrubar a floresta. A prática é a maneira mais fácil e barata de desmatar.

Contudo, o aumento dessa prática ilegal, somada ao fenômeno do El Niño que, por sua vez, é intensificado pela ação humana, tem tornado a Amazônia insalubre. Fato também sensível para os humanos, outros animais e vegetais que vivem nas cidades.

*A autora é antropóloga

Foto: BNC Amazonas