Transformando pó em ouro
A colunista, Dassuem Nogueira, aponta que o minério é procurado pelos traficantes de drogas para lavar o dinheiro do tráfico. | Leia.

Ednilson Maciel, por Dassuem Nogueira*
Publicado em: 03/10/2023 às 16:23 | Atualizado em: 03/10/2023 às 16:24
Para Hyury Potter, os altos custos logísticos na Amazônia fizeram com que os diferentes mercados ilegais de cocaína e de ouro se juntassem para operar fortunas pela região.
O jornalista é bolsista do Politizer Center, uma organização estadunidense que financia o jornalismo independente. Ele apresentou alguns dados no evento “Mercados ilegais e violências na Amazônia”, ocorrido no mês de setembro, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Potter vem pesquisando as conexões existentes entre diferentes grupos a partir de operações deflagradas pela Polícia Federal sobre as empresas e empresários acusados de lavar dinheiro de fontes ilegais.
Ele verificou que há poucas empresas no Brasil que operam legalmente com ouro. E mesmo sendo poucas, todas são reincidentes em multas e processos.
Entre as figurinhas repetidas, chama atenção ainda a quantidade de pilotos relacionados a esses processos. Trinta deles aparecem mais de uma vez como alvo de operações policiais.
Dos pilotos que constam no levantamento feito em 2022, um morreu de acidente e um foi preso no Suriname.
Até o ano passado, Potter localizou via satélite 1.269 pistas de pouso clandestinas na Amazônia brasileira.
Há mais pistas ilegais do que registradas na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
A pista de pouso é a primeira evidência de um garimpo de grande porte. Primeiro, abre-se um pequeno garimpo capaz de custear uma pequena operação. Em seguida, faz-se a pista de pouso. Em dois ou três meses, está estruturado um grande garimpo.

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Compra-se ouro
Legalmente, uma pequena área do Mato Grosso teria sido a maior extratora de ouro em 2022. Porém, quando se observa via satélite, o pequeno polígono verde está praticamente intocado.
Não sendo possível crer que tal área tenha sido capaz de produzir tantas toneladas de ouro.
Contudo, a área que mais extrai ouro legalmente no país está a menos de um quilometro da terra indígena Kaiapó. Essa, sim, quando vista de cima, possui uma vasta área devastada.
“Se existe alguém que faz, alguém compra”, infere Potter. Por isso, ele procurou saber quanto ganha uma empresa que vende ouro.
Ele descobriu que só a empresa Gana Gold, com sede em Nova Yorque, lucrou 1 bilhão de dólares em um ano.
A empresa é fornecedora do minério para empresas como Google, Microsoft, Aple e Amazon, que o utilizam para fazer minúsculos componentes para diferentes aparelhos.
Potter informa que é muito difícil rastrear ouro ilegal. Esse tipo é misturado ao ouro legalizado nas refinarias.
A Polícia Federal está empenhada em fazer a caracterização fisioquímica de cargas apreendidas a fim de possibilitar a identificação do minério extraído ilegalmente.
Contudo, atualmente, depois que o ouro sai dos garimpos, não há como saber de onde ele veio.
Por isso, também, o minério é procurado pelos traficantes de drogas para lavar o dinheiro do tráfico.
Nos últimos seis anos, a extração dobrou. Legalmente, foram exportadas 115 toneladas de ouro da Amazônia.
Ao mesmo tempo, triplicaram as apreensões de cocaína pela Polícia Federal na região.
O processo de lavagem de dinheiro do tráfico envolve ainda a compra e venda de fazendas de gado.
A retirada ilegal de madeira também usa o fluxo do ouro para transformar legalizar o dinheiro obtido de extrações em áreas protegidas.
Na região de Itaituba, no Pará, uma das áreas garimpeiras mais conhecidas do país, é notável o aumento da extração ilegal de madeira.
Segundo apurou a Reporter Brasil, a área de proteção ambiental do Tapajós, na região de Itaituba, foi a unidade de conservação mais desmatada em 2022 na Amazônia.
Desse modo, os operadores de mercados ilegais na Amazônia, estão atuando como verdadeiros alquimistas. Eles transformam todo o dinheiro obtido de fontes ilegais, de cocaína, madeira, pesca, em ouro.
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Pressão sobre recursos e gentes
Segundo o escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (Unodoc), alguns municípios da Amazônia Legal registraram 29,6 homicídios por 100 mil habitantes em 2021. A média nacional é de 23,9.
Juntamente a esse conglomerado de mercados ilegais na Amazônia brasileira aumenta também a pressão e a violência sobre os grupos humanos da região.
Sara Pereira, coordenadora da Federação de Órgãos para a Assistência Social (Fase) Amazônia, listou dez lideranças ameaçadas de morte por grupos ligados ao tráfico, ao garimpo e a retirada ilegal de madeira amazônica. A maioria delas é mulher.
Maria Ivete dos Santos, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, esteve dez anos de sua vida escoltada por policiais militares.
A agricultora é moradora do PAE (Projeto de Assentamento Agroextrativista) Lago Grande, em Santarém, Pará. Ela também falou no encontro ocorrido na Ufam, na mesa temática “Visões do Tapajós”.
Em sua trajetória de resistência ante variadas frentes de exploração, ela esteve ao lado da irmã Dorothy Stang.
Após o assassinato da ativista ambiental, no município de Anapu, oeste do Pará, em 2005, sua mãe a proibiu de voltar a atuar no sindicato.
No entanto, ela relutou alguns anos antes de deixar seu posto. O que foi se tornando insustentável, pois a situação afetava a sua vida e a de seus familiares. Ela vivia sob a mira de pistoleiros contratados.
Estive em um programa de proteção de 2007 até 2017. Isso causa muitos danos na vida do ser humano. A gente se fecha para a vida de lazer para estar na luta. Meus filhos não podiam chegar perto. Minha filha fugiu de casa aos 15 anos para não viver mais aquilo, disse Maria Ivete.

Contudo, desde 2021 ela voltou a atuar como sindicalista e, nesse ano, retornou à presidência do sindicato. Ela contou o que a fez voltar à frente da luta:
“Continuo porque há vidas, cultura, encantados, comida, relações. A luta é por algo maior do que sentir que tem um pedaço de chão garantido”.
Foto: divulgação