Dom Phillips e Bruno Pereira são homenageados no #Toadas Parintins

Toada Vale do Javari, composta há 26 anos, cantada no programa, chama a região de "vale de lágrimas"

Toada Parintins homenageia Don e Phillips

Neuton Corrêa e Arnoldo Santos, do BNC AMAZONAS

Publicado em: 19/06/2022 às 13:46 | Atualizado em: 19/06/2022 às 18:03

O #Toadas Parintins prestou homenagem ao jornalista inglês Dom Phillips e ao indigenista brasileiro Bruno Pereira, assassinados na Amazônia, enquanto documentavam a vida dos povos indígenas isolados do Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas.

O último episódio da temporada 2022 do programa foi ao ar neste sábado, direto de Parintins.

Nele, os artistas Israel Paulain, Júnior Paulain, Edmundo Oran e Enéas Dias cantaram uma sequência de quatro toadas, que denunciam agressões à floresta, aos animais e aos povos tradicionais e indígenas que vivem na Amazônia. Todas as composições causaram grande impacto na arena do bumbódromo quando foram apresentadas.

Dom Phillips e Bruno Pereira foram mortos há duas semanas. Na quarta, 15, os assassinos mostraram onde os corpos foram enterrados.

As toadas são:

Unankiê (Ronaldo Barbosa) – Boi Caprichoso 1994 – 28 anos

Lamento de Raça (Emerson Maia) – Boi Garantido 1996 – 26 anos

Vale do Javari (Ronaldo Barbosa e João Melo) – Boi Caprichoso 1996 – 26 anos

Nações Extintas (Sidney Rezende e João Melo) – Boi Garantido 2001 – 22 anos

Vale do Javari

Uma das toadas fala especificamente do Vale do Javari. A composição, assinada por Ronaldo Barbosa e João Melo, leva o mesmo nome da região onde os dois profissionais foram mortos.

Servidor da Funai, o parintinense João Melo Farias trabalhou no Vale do Javari. Em Atalaia do Norte, chefiou a administração regional do órgão. A composição com Ronaldo Barbosa, também servidor da FUNAI na época, é uma das toadas icônicas quem têm tom de protesto.

A letra é cita nomes de rios da região (Ituí, Curuçá), povos indígenas (como os Matis Ituí), as riquezas naturais (como a madeira pérola), mas chama atenção batizando aquela região de “vale de lágrimas”. Remate dos Males, antigo nome do município de Benjamin Constant, e Estirão do Equador, distrito de Atalaia do Norte, são citações que mostram o grau de pesquisa dos compositores.

Vale do Javari (letra)

Javari Ituí
Javari Curuçá
Javari Itaquaí
Bacia dos belos Matis Ituí
Berço bravo dos Mayoruna-Curuçá
Sina feliz dos Kulina Itaquaí
Braço forte dos Marubo Javari
Cacete de morte dos Kixitos Kaniuá á á…

Vale do Javari
Vale das madeiras
Perola á á…
Palmeiras do Javari
Dos índios arredios
Perola á á…

Nada vale como um Vale de lágrimas
Vale pela vida, pelo sangue dos Mayorunas

Pelo riso dos Matis
Pelo viço dos Kulinas
Pela arte dos Marubos
Pelo cacete dos Korubos
Pelo grito de guerra á á…
Dos Kanamarís…

Ê ê ê iê iê ê…

Remate dos males
Atalaia do Norte
Estirão do equador

Pelo riso dos Matis
Pelo viço dos Kulinas
Pela arte dos Marubos
Pelo cacete dos Korubos
Pelo grito de guerra á á…
Dos Kanamarís…

Ê ê ê iê iê ê…

Assista ao vídeo:

“Nações Extintas”

Melo também é um dos compositores de Nações Extintas, feita em parceria com Sidney Rezende, falecido em abril deste ano. Fora a qualidade musical indiscutível, a letra da música chama atenção por citar nomes de povos que desaparecem na história.

Nações Extintas (letra)

Sem terra, sem teto, sem grão
Sem alma, sem rota a nação
Nos primórdios do mundo de Deus
Das tabas, florestas sem fim
Destino de índio feliz
Mas dias chegou caos e cruz
O fogo Kariwa, arcabuz mañuçawa
Minha terra mãe
Pariana, Juruena, Cayarí
Não te tenho mais
Yabarana, Manaós, Aguarás
Tudo o quanto amei
Pirayuri, Tarumã, Condorí
Branco já tomou
Guanapuri, Mariáia, Guanamã
Minha terra mãe
Yamaruá, Uepurí, Gepuá
Não te tenho mais
Araazes, Baanary, Quimaú
Tudo o quanto amei
Yoriman, Buraí, Apirá
Branco já tomou
Cocuena, Managú, Caniarí
Minha terra mãe
Aguayra, Guarinuma, Ararawá
Não te tenho mais
Caratú, Waupés, Juruparí
Tudo o quanto amei
Jacamin, Cayana, Acebarí
Branco já tomou
Aragatú, Zapucaia, Barés
Ô Ô Ô Ô Ô

Alerta ambiental

O compositor, poeta, ritmista, Emerson Maia, falecido em 2022 por complicações da covid-19, tem um vasto leque de composições. Mas em “Lamento de Raça”, composta em 1996, que ele marcou com seu nome o repertório de músicas com temática ambiental.

Lamento de Raça (letra)

O índio chorou, o branco chorou
Todo mundo está chorando
A amazônia está queimando
Ai, ai, que dor
Ai, ai, que horror
O meu pé de sapopema
Minha infância virou lenha
Ai, ai, que dor
Ai, ai, que horror
Lá se vai a saracura correndo dessa quentura
E não vai mais voltar
Lá se vai onça pintada fugindo dessa queimada
E não vai mais voltar
Lá se vai a macacada junto com a passarada
Para nunca mais, voltar
Para nunca mais, nunca mais voltar
Virou deserto o meu torrão
Meu rio secou, pra onde vou?
Eu vou convidar a minha tribo
Pra brincar no garantido
Para o mundo declarar
Nada de queimada ou derrubada
A vida agora é respeitada todo mundo vai cantar
Vamos brincar de boi, tá garantido
Matar a mata, não é permitido

Ritual indígena

Ronaldo Barbosa compôs Unankiê para boi Caprichoso defender o título em 1994. Naquele ano, o tema do boi foi “Capricho dos Deuses”. A palavra título significa um ritual indígena do povo Yanomami.

Unankiê (letra)

Unankiê, unankiê, unankiê, ê, hê
Unankiê, unankiê, unankiê, ê, hê
Ô, ô, ô

Meu rio chorando de dor
Num clamor quase mudo
Ferido no leito pelo branco invasor

A mata em silêncio reclama
A terra ferida no ventre
Desnudaram teu chão

A cobiça rompeu o seio da selva
E levaram o ouro que é teu

E o guerreiro da taba sagrada
Guerreiro da tribo Tupi, banido da nação
Sai sangrando da grande batalha
Cai ferido no chão, ô, ô, ô

Chora meu povo, chora minha terra
Chora minha nação
Chora o Inca, chora o Omágua
Chora Parintintin ô, ô, ô

Yanomami lançaram
Suas flechas, a-há!
Yanomami seu grito de guerra
Explode no ar, hei!
Heia, heia, heia, heia, heia

O programa #Toadas foi realizado em frente ao Palácio Cordovil, que está sendo transformado pela Prefeitura de Parintins para virar o Museu da Cidade.

Foto: BNC AMAZONAS