A primeira noite do 58º festival de Parintins
O Caprichoso chegou imponente com alegorias impecáveis e o Garantido se superou em qualidade, mas ainda está muito atrás do seu oponente.

Dassuem Nogueira e Juliana Oliveira, da Redação do BNC Amazonas em Parintins
Publicado em: 28/06/2025 às 14:44 | Atualizado em: 28/06/2025 às 16:53
O boi-bumbá Garantido abriu a primeira noite de competição com o tema “Boi do povo, boi do povão”. A associação folclórica iniciou seu espetáculo diferente da tradicional contagem.
Adentrou a arena com um preâmbulo, no qual dançarinos que representavam os povos tradicionais, indígenas e não indígenas, surgiram sob um manto verde, anunciando o tema da noite: somos os povos da floresta.

David Assayag surgiu do centro como a voz da Amazônia, como, de fato, é conhecido artisticamente fora do festival.
Em seguida, o boi Garantido deu início a uma festa com a galera, jogando com a emoção.
Chamou atenção um maior uso de alegorias humanas no boi Garantido, quando subiram em um tripé os dançarinos que formaram um arco de leques com belíssimo efeito de textura e movimento, dupla face em verde e rosa. E, em outro momento, para formar o manto tupinambá.
O Garantido, que prometeu estar “assustador” de tão grandioso, certamente, supera-se em qualidade – viu-se alegorias mais claras em informação – mas, ainda está muito atrás de seu oponente quando se trata do item alegoria.

Na alegoria que representava o povo negro da Amazônia, houve problemas na montagem. Embora não seja possível identificar o motivo, viu-se kaçaurés correndo de um lado para o outro, um número muito maior de pessoas (kaçauerés ou não) empurrando o terceiro módulo, e certa demora na montagem.
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Imponente
O boi-bumbá Caprichoso, por sua vez, chegou imponente, colocando no tabuleiro da arena suas peças de mais alto valor: alegorias impecáveis e o guindaste Terex, que proporciona o uso de uma segunda camada da arena, a aérea.

Fez um espetáculo pirotécnico na arena do bumbódromo. Itens desciam dentro de alegorias sustentadas por guindastes.

Fogos de artifício do tipo chuveirinho estouravam a todo momento das alegorias, e também na arquibancada da galera.

Com animação, a galera azul e branca revezava diversos adereços que davam cores diferentes ao show.
No momento em que trouxe as majés, o Caprichoso levou para a arena um outro nível de percepção: a olfativa, quando soltou um perfume de cajila que sentiu-se no bumbódromo.
O boi levou para arena imagens diretamente do livro de Truduá Dorrico, “Tempo de retomada”, tal quando trouxe as palavras envenenadas pelo livro preto das catequeses que chega para contaminar o verbo de Yurupari, o legislador do alto rio Negro.
No entanto, tudo o que é demais, sobra. Se um item desce uma ou duas vezes de uma alegoria sustentada por guindaste, com fogos de artifício, gera um imenso impacto no público. Mas, se isso acontece repetidas vezes, começa a perder o potencial de impressionar que essa técnica possui. Em alguns momentos, o uso do guindaste gerou tensão na agremiação que tentava desenroscar fios das alegorias para evitar acidentes.
Talvez esse seja justamente o estilo do Caprichoso – o da extravagância –, ou talvez o exagero do Caprichoso seja resultado de preparar sua apresentação focada, sobretudo, em sufocar seu oponente.
Os bois-bumbás de Parintins parecem estar constantemente dialogando um com o outro, em rivalidade, e quem não acompanha toda a temporada bovina pode ficar sem entender, inclusive, algumas rimas dos amos que falam hermeticamente entre si.
O duelo dos amos
Um dos momentos mais aguardados do festival de 2025 é a performance dos amos do boi azul e vermelho.
A estreia de Caetano Medeiros deu um sopro de frescor à acidez de João Paulo Faria. O amo vermelho até então vinha dominando os holofotes com postura provocativa dentro e fora da arena.
Caetano, por sua vez, trouxe versos provocativos e elegantes.
João Paulo perdeu a mão em um verso que contava um caso sobre a medalha Rui Araújo concedida a Isolina Gonzaga.
Fez um verso demasiadamente longo e de difícil compreensão para quem é de fora do universo bovino de Parintins, grupo em que estão jurados e juradas.
Em resumo, tal como uma piada que precisa ser explicada, o verso que precisou de explicação,
também perdeu a graça.
Virou meme
A fantasia da bela Isabelle Nogueira (cunhã-poranga do Garantido), pelo segundo ano consecutivo, ficou aquém do esperado para a sua importância, sobretudo, fora da arena.
A proposta era que ela se transfigurasse em onça. No entanto, o público ficou confuso com a fantasia: a onça parecia ter uma juba de leão, passando a ser chamada nas redes sociais de Leôncia.
Outra questão é que a fantasia da onça era colocada sobre Isabelle sem qualquer preocupação em manter a mágica da transfiguração, ignorando o efeito mágico que deveria provocar.
Ao invés de exaltar seus pontos fortes, a fantasia a transformou em um meme.
O manto tupinambá duplicado
Os dois bois trouxeram para a arena o manto tupinambá de maneiras diferentes.
Em sua apresentação, o Caprichoso, evidenciou que o que estava na arena era um manto do século 21 (e não o manto do século 16 repatriado ao Brasil em 2024).
O Garantido trouxe uma alegoria viva que representava o manto tupinambá. Ambos os bois, foram acompanhados por lideranças tupinambás no uso do manto.
No entanto, o manto parecia se encaixar mais no tema do Caprichoso, “É tempo de retomada”, do que no do Garantido (“Boi do povo, boi do povão”).
O curioso para o público é entender a fixação dos dois bois no manto. Afinal, quem teve essa ideia primeiro?
Os jurados e as juradas podem se perguntar.
Fotos: Juliana Oliveira/especial para o BNC Amazonas