A alegria de uma tarde azul no Caprichoso

A tarde alegre do boi-bumbá Caprichoso une gerações distintas no curral para compartilhar saberes e memórias

A alegria de uma tarde azul no Caprichoso

Juliana Oliveira, da Redação do BNC Amazonas em Parintins

Publicado em: 16/06/2025 às 12:07 | Atualizado em: 16/06/2025 às 12:16

Em Parintins, brincadeira de criança é coisa séria. Fim de tarde toda azul no curral Zeca Xibelão, com pipoca, pirulitos e algodão doce azuis, mungunzá e tacacá.

A tarde alegre do boi-bumbá Caprichoso une gerações distintas no curral para compartilhar saberes e memórias. Assim, a cultura do boi-bumbá é transmitida, e os parintinenses garantem que o sentimento de “ser azul” permanecerá vivo.

Manter as crianças seguras 

No Festival Folclórico de Parintins, há uma série de protocolos de segurança. Grande parte deles são destinados ao bem-estar das crianças em casos de uma evacuação de emergência, por exemplo. 

Com a portaria 3/2025, o Ministério Público do Amazonas (MP-AM) proibiu a presença de crianças menores de 10 anos nas galeras do bumbódromo. 

Há também horários limites para a participação de crianças, mesmo no 58º Festival Folclórico de Quadrilhas, Danças e Bois-Mirins de Parintins, onde às 21h30 os pais com crianças de colo foram aconselhados pela organização do evento a retornarem para suas casas. 

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Transmissões de saberes

Diferentes culturas têm modos diversos de ensinar e aprender. Em algumas delas, pega-se a mão de uma criança para ensiná-la a escrever. Em outras, o olhar e a escuta atentos somam-se à capacidade de imitação. 

Em toda a Amazônia, as crianças indígenas costumam acompanhar seus pais como se fossem elas mesmas uma extensão de seus corpos. Se os pais vão a uma caçada, as crianças vão. Se os pais vão para a roça, as crianças vão. E é justamente nesse processo – o andar e viver juntos – que as crianças se tornam pessoas capazes de construir malocas, abrir roças, coletar seus cultivos, e produzir os mais belos artefatos. 

Com a cultura do boi-bumbá não é diferente. A tarde alegre do boi Caprichoso é um espaço criado para que as crianças possam aprender a cultura do boi-bumbá, e alimentar seu sentimento de amor pelo boizinho negro.

Mãozinhas somam-se no couro aveludado do boizinho negro. As crianças beijam-no a todo momento que podem. Seus olhos cintilam ao ver os “itens”, seus ícones admirados, ali presencialmente brincando junto. 

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O futuro do boi 

Da tarde alegre do boi Caprichoso participaram os itens oficiais, como Marcela Marialva (porta-estandarte); Alexandre Azevedo (tripa); Valentina Cid (sinhazinha da fazenda); Marciele Albuquerque (cunhã-poranga); e Cleise Simas (rainha do folclore). 

As crianças formavam filas para serem fotografadas junto com eles. Algumas por iniciativa própria, outras incentivadas por seus pais. Os artistas afirmaram a importância de eventos como a tarde alegre para a manutenção do boi Caprichoso. 

“São poucos os momentos em que a gente consegue ficar próximo realmente das crianças. Na maioria dos eventos, a gente entra muito tarde. Esse é um evento especialmente para nossas crianças, que é o futuro do nosso boi Caprichoso. Vem aí a próxima geração de itens. E eles sentem também um carinho enorme pela gente. Então, é o momento que a gente tem para retribuir, para conhecer cada um deles, abraçar, tirar uma foto. Fico imensamente feliz por estar aqui porque sei que esse momento ficará marcado na vida deles e na minha para sempre”, disse Marcela Marialva.

“A nossa cultura sobrevive por conta das crianças que têm um amor pelo boi Caprichoso. Desde cedo elas vêm e se encantam. Isso faz com que a gente se sinta muito lisonjeado de estar aqui presente neste dia. A maioria dos itens não mora em Parintins. A gente não pode estar presente em todas as tardes alegres, mas essa a gente faz questão sempre de vir, que é a última tarde alegre antes do festival, que é a escolha dos itens mirins. Todo mês de junho, todo mundo está aqui, vem, participa, tira foto, demonstra carinho para as crianças cada vez mais se apaixonarem pela nossa cultura”, afirmou Alexandre Azevedo.

Ele continuou a tradição de seu próprio pai, Marquinho Azevedo, como tripa do boi Caprichoso. Para ele, muitas crianças têm o “sonho” de ser item do boi. Gostam tanto do que veem os adultos fazendo, a ponto de querer um dia eles mesmos representarem aquele item do boi. 

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Aprendizes rituais

As crianças foram recepcionadas na porta do curral Zeca Xibelão com doações de doces azuis. Havia pula-pula, tecido acrobático, e comidas diversas. Às 18h30 se iniciou a apresentação dos “itens mirins”. 

Ao som de toadas como “O campeão chegou!”, “Málúù Dúdú”, “Rainha das rainhas”, “Cunhã tribal”, “Bela Valentina”, “Rei do quilombo” e “Mística marubo”, crianças de diversas idades, inscritas pelos pais, apresentaram os itens mirins do boi Caprichoso. Ao final de cada apresentação, elas foram presenteadas pelos artistas do boi com brinquedos diversos. 

Houve os seguintes itens mirins: 5 tripas; 5 sinhazinhas da fazenda; 2 rainhas do folclore; 1 amo do boi; 1 apresentador; 1 cunhã-poranga; 1 pajé.

Entre os tripas, chamou a atenção a jovem Maria Bethânia, primeira tripa mulher do boi Caprichoso. 

O jovem Cauê Cardoso, na categoria de pajé-mirim, junto com Erick Beltrão (pajé do boi Caprichoso), encenou um ritual de pajelança ao som de “Mística marubo” em meio a tons azul e verde.

Para um visitante desavisado, a tarde alegre do boi Caprichoso poderia soar como um evento secundário por ser destinado ao público infantil. Entretanto, brincadeira de criança é tratada com seriedade em Parintins. 

As crianças apresentam os itens mirins para valer: cantam as toadas, têm presença de palco, expressão facial, carisma, jogam beijinhos e acenam para o público. 

Formando um mundo hiper-real em miniatura, os itens mirins no cotidiano do curral Zeca Xibelão apresentam o futuro do boi Caprichoso.

A tarde alegre mostra como construir aprendizes desse grande ritual que é o boi-bumbá em Parintins.

Fotos: Juliana Oliveira/especial para o BNC Amazonas