Tics e os dilemas da comunicação

As TICs tornaram a vidas das pessoas cada vez mais mediadas por algum tipo de aparelho eletrônico

Mariane Veiga, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 23/03/2021 às 00:01 | Atualizado em: 23/03/2021 às 10:58

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) possibilitaram o aumento das interações sociais e inauguraram novas formas de comunicação.

Nessa revolução cibernética, essas tecnologias possibilitaram a aproximação das pessoas e facilitaram a execução de tarefas cotidianas, como as operações bancárias e vários tipos de compras online.

Contudo, as TICs tornaram a vidas das pessoas cada vez mais mediadas por algum tipo de aparelho eletrônico. Durante o dia, recebemos diversos tipos de mensagens eletrônicas, como e-mails, notificações das redes sociais, vídeos, áudios, fotos, memes etc. Porém, à medida que a mediatização aumenta, a interação presencial e vocal tende a diminuir.

Assim, parece que a recorrente mediatização e a interação só com as máquinas está produzindo a desvocalização das pessoas. Apesar de ser possível perceber um volume maior de interação e de comunicação, fala-se cada vez menos com o outro nesse processo, o que é um problema, visto que os seres humanos possuem o atributo da fala, ou seja, comunicam-se, fundamentalmente, de forma vocalizada e gestual.

Talvez essa seja, então, a causa de tantos desentendimentos. É comum vermos isso nas redes sociais, onde as incompreensões, as más interpretações textuais, as inferências equivocadas, produzem verdadeiras cacofonias coletivas.

Parece que a comunicação feita por meio de mídias eletrônicas, ou melhor, as interações que ocorrem por esses meios, estão mais propícias à confusão do que as formas de comunicação tradicionais.

Nesse sentido, de acordo com o professor John L. Locke, pesquisador sênior da Universidade de Cambridge, “o problema reside na natureza da comunicação humana. Pensamos nela como um produto da mente, mas ela é feita pelo corpo: os rostos se movem, as vozes são entoadas, os corpos balançam, as mãos gesticulam. Na internet a mente está presente, mas o corpo desapareceu”.

Logo, a propensão para a confusão pode estar ligada a esse cenário, pois, ainda segundo o autor, “os destinatários têm poucas pistas da personalidade e do humor de quem está teclando, podem apenas supor porque as mensagens são enviadas, o que elas significam e que respostas lhes dar. A confiança está virtualmente longe da janela. É um negócio arriscado”.

Mas nem tudo está perdido… De acordo com o sociólogo britânico Anthony Giddens, os entusiastas da comunicação eletrônica “argumentam que longe de ser impessoal, a comunicação online tem muitas vantagens inerentes das quais não podem dispor as formas de interação mais tradicionais”. Então, em processos de comunicação que não necessitem de vocalização e visualização, essas vantagens residem no fato de que tanto o emissor quanto o receptor podem esconder marcas identificadoras como o sotaque, a idade, o sexo, a nacionalidade, entre outros, que poderiam gerar diversos desdobramentos, como a xenofobia, por exemplo.

Nesse sentido, enquanto no processo de comunicação tradicional não mediatizado as pessoas falam, tocam, sentem, gesticulam, são ouvidas e são vistas, na interação que ocorre sem precisar falar ou se mostrar poderia haver uma espécie de invólucro, ou seja, um lugar seguro tanto para o emissor quanto para o receptor da mensagem que, ao mesmo tempo que protege, limita a relação interpessoal.

Dito isso, podemos perceber que essas são questões importantes a serem consideradas, pois mostram que o tema é espinhoso, de difícil enquadramento e que requer reflexões constantes. O dilema aqui apresentado é, portanto, um tema necessário a ser discutido sempre que possível.

O autor é sociólogo.