O meu violão do Sidney
“Então, vamos ficar com o violão. Quando o Sidão quiser, o violão voltará pra ele”.

Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 10/04/2022 às 13:43 | Atualizado em: 02/02/2023 às 19:43
Por Neuton Corrêa, do BNC Amazonas
Lembro-me que era uma manhã. Assim, tipo 10h. O maestro Neil Armstrong, meu compadre, me passou uma mensagem oferecendo rifa de um violão para ajudar o Tila Jones, outro parceiro nosso.
De pronto, disse: “Neil, vou ficar com dez rifas”.
O maestro agradeceu e, com seu seu jeito de ser, me deu informações sobre o instrumento.
“Legal, meu compadre, a gente aumenta a chance do violão ficar perto de nós”.
Um ano antes eu havia acabado de comprar o RL 495 (leia a história abaixo), última peça fabricada pelo luthier Raul Lage, cubano da revolução de Fidel Castro que viveu na periferia de Manaus e iniciou a principal escola de fabricantes artesanais de instrumentos do Amazonas.
Raul me ofereceu a peça ainda em projeto e, depois que eu a adquiri, no Brasil, ele morreu em Cuba.
Assim, fiquei com sua última obra, que talvez tenha sido sua obra-prima, dado a estima que os violonistas nutrem pelo RL 495. Tanto o é que nesses quatro anos passados não ficou mais que cinco meses perto de mim, tanto ser requisitado.
Voltando ao violão do Tila, eu já estava confiante que havia entrado na disputa pela viola, quando o Neil me deu outra informação.
“Compadre, ele ainda não começou as vendas”. E acrescentou, ainda mais misterioso: “Compadre, acho melhor você comprar o violão”.
Eu parei, perguntei a razão e ele me disse: “Esse violão tem história. Já gravou muitos sucessos, acompanhou artistas em muitos shows por anos e anos e esteve nas gravações das toadas do Garantido não sei quanto tempo”.
Com a história, parei e disse: “Vê quanto o Tila está precisando e vamos deixar esse garoto perto da gente, pra todo mundo (nossa turma, é claro) tocar quando precisar”.
Imediatamente, o maestro entrou em contato com nosso amigo. Este disse o que lhe apertava e combinamos a solução.
Mas maestro Neil ainda guardava mais duas informações que só me deu quando o Tila já havia desistido da rifa e se convencido a deixar o instrumento com a gente.
Foi então que o maestro me disse:
“Compadre, esse violão tem uma história curiosa. Sabias que eu acho que o destino dele era ficar com a gente?”.
Respondi que sim, sem ter consciência da resposta. Sobre isso, o Neil me contou.
“O Tila conseguiu esse violão numa rifa. Na verdade, o patrocinador da rifa dele foi o Carlão (Kaita), que comprou dois bilhetes, ficou com um e deu o outro pro Tila”, disse, acrescentando:
“Meu compadre, foi muita sorte. Muita gente tinha comprado a rifa e o sorteio acabou dando o violão pro Tila Jones”.
Por fim, o Neil me contou o maior segredo sobre o violão.
“Esse violão, meu compadre, graças a Deus ficou o Tila, porque seria uma perda muito grande a gente não saber pra onde ele foi”.
Fiquei intrigado. E antes que perguntasse, o Neil disse:
“Esse violão era do Sidão [Sidney Rezende]. Ele vendeu porque estava aperreado”.
Eu, então, reafirmei ao maestro:
“Então, vamos ficar com o violão. Quando o Sidão quiser, o violão voltará pra ele”.
Em dezembro passado, tive a oportunidade de dizer pro Sidão que o violão dele estava comigo. Ele, de pronto, retrucou.
“Cordas de aço, um Walden”.
E, então, lhe disse:
“É seu. Eu agora estou guardando ele”.
A outra rifa
Sidney apenas me olhou, como se não quisesse falar do assunto, e puxou outro.
“Vamos falar da rifa do meu quadro”, mudou ele de assunto.
Esse é outro episódio da vida do artista mineiro que o Amazonas abraçou e adotou como se fosse seu filho.
Um dia conto os bastidores dessa segunda rifa, do quadro.
Por enquanto relembro esta, do violão, parceiro fiel do Sidney Rezende até o último dedilhado em suas cordas, como se fosse seu último suspiro. Que tenha partido em paz!
Outro ‘meu violão’
Foto: BNC Amazonas