O choro da Lua Cheia
O branco-neve de prata-fluorescente havia perdido a alvura do luar cheio, ofuscado pelo vermelho ardente e fosco do cinza que encobria a cidade
Publicado em: 06/09/2010 às 00:00 | Atualizado em: 25/08/2020 às 13:16
Neuton Corrêa*
Naquela manhã de sexta-feira que passou, achei que a Lua havia passado a noite toda chorando. Seu brilho, o brilho de seu olhar não era como o de sempre. O branco-neve de prata-fluorescente havia perdido a alvura do luar cheio, ofuscado pelo vermelho ardente e fosco do cinza que encobria a cidade.
Se algum desorientado a visse naqueles primeiros instantes do começar do dia, poderia jurar que a manhã começava com dois sóis, um, que iluminava tudo antes de aparecer, e outro, a Lua-Sol, que se emparelhava, como um lustre sem brilho, sobre a parada de ônibus onde eu ficaria à espera do 457 ou 458, na Avenida das Torres.
Esse sol a Oeste, em plena manhã, parecia sem razão de estar ali. Talvez estivesse lá apenas por capricho da Natureza, que, para não deixá-lo solitário, pôs uma de suas filhas brilhosas para acompanhá-lo até o ponteiro da Terra completar mais um quarto de hora para se esconder.
Mas a Lua Cheia não queria deixar a noite passar. Segurou a escuridão até onde pôde. Ou será que a noite, para ela, foi daquelas noites mais longas do que um dia de fome? Acho que não foi o único ser, naquela manhã, a não querer ver o dia chegar.
Talvez fosse isso. Sim, agora, lembro. Era isso, mesmo. A noite não custou passar apenas para ela. Os canários que voam do jambeiro de casa antes das cinco horas da manhã ainda estavam por lá, às cinco e meia, esperando a plena luz da manhã apontar-lhes o caminho.
Os sabiás do taperebazeiro da vizinha também ainda estavam se despreguiçando. Os japiins eram os mais espertos, mas também não haviam partido em revoada. Aproveitavam a manhã cinzenta para aquecer um pouco mais as ninhadas que fizeram perto da casa de cabas.
Ah, ia esquecendo: ouvi, rumo ao Norte, um canto que não escutava há quase dez anos, desde o tempo em que uma faixa de mata virgem ainda resistia timidamente ao avanço da nova avenida e das casas que brotam tão aceleradamente à medida que o verde natural vai desaparecendo. Era o canto de um araçari, um tucano que, aos poucos, ganha hábitos urbanos.
Sim, amigas e amigos do busão, eu também: se naquele dia tivesse me guiado pelos sinais da Natureza, não teria saído da rede. A vidraça da janela do meu quarto mandava eu ficar deitado. Apenas o ponteiro do relógio me dizia que estava na hora de partir para o novo compromisso que assumi na rádio Nova A Crítica FM.
Pois bem, naquela manhã, quando encontrei a Lua com os olhos vermelhos, eu não consegui conter as lágrimas. Nem eu nem os passageiros que aguardavam o busão. É que a fumaça das queimadas da floresta amazônica encobria cidade e deixava os nossos olhos ardentes e avermelhados.
Quem sabe não foi essa fumaça que deixou a Lua triste e chorosa. Talvez ela tenha sentido mais, porque observa lá do alto a agonia da floresta transformada em nuvens.
*Jornalista, filósofo, escritor.