Lula, eleição, Eloá, Polícia e a Montanha dos Sete Abutres
Aguinaldo Rodrigues
Publicado em: 23/10/2008 às 00:00 | Atualizado em: 23/10/2008 às 00:00
Gerson Severo Dantas*
O povo brasileiro, e o manauara em particular, tem umas coisas que só nós mesmos para agüentar e (não) entender. É capaz, por exemplo, de eleger duas vezes presidente um metalúrgico, garantir-lhe popularidade recorde – maior do que JK ou Getúlio Vargas jamais sonharam ter – e ao mesmo tempo ignorar solenemente seus candidatos aliados. Em Manaus, tende, se as pesquisas estiverem certas, a se reencontrar com o passado. O que será que isso significa?
Pois bem, esse intróito nariz de cera é para dar cores mais vivas à discussão que gostaria de trazer a baila nesse espaço: o que faz pessoas desconhecidas irem a velório de pessoas que não conhecem? Fulanizando: o que 40 mil pessoas foram fazer no enterro da Eloá? Mais um pouco: Por que será que hoje a Polícia Militar de São Paulo parece, nos meios de comunicação, mais culpada pelo desfecho trágico do seqüestro do que o assassino Lindemberg?
Vou meter a colher nesse assunto sem qualquer tese na cabeça, apenas remoendo o que vi e ouvi na televisão instalada numa parede às minhas costas na redação do jornal que trabalho. Dessa posição privilegiada, vi a multidão aplaudindo o cortejo fúnebre, vi gente, ainda no velório, carregando criancinhas para ver o corpo inerte de Eloá, vi gente tirando fotos do corpo, vi gente chorando a tragédia na hora da descida à sepultura. O que movia essas pessoas? O espetáculo midiático do seqüestro transmitido ao vivo e em cores, com entradas do seqüestrador ao vivo no Ana Maria Braga, na Sonia Abrão? Que coisas são essas, meu povo?
Fui recentemente ao enterro de um querido tio, Luis Severo – da segunda geração de Severo da minha família – e de lá sai com uma tristeza danada, pequenas lembranças de momentos felizes com ele e meus primos na cabeça, com uma preocupação danada com minha tia. Posso afiançar, um velório machuca a alma da gente. Encarar aquilo tudo fazia sentido, era um rito de passagem doloroso que eu e nossa família tínhamos de passar, mas no caso da Eloá… Que sentido fazia para aquelas pessoas sofrerem a dor que não era delas? Ou será que a dor era, sim, delas também? Se era, que dor era essa que deve ter feito alguém faltar o trabalho para ir a esse enterro? Que dor era essa que fez uma dona de casa pegar sua filha pequena, tomar um ônibus (o que em São Paulo imagino ser uma coisa mais complicada do que em Manaus) e disputar espaço com outras 39.998 mil pessoas e mais a pequena família da menina assassinada? “Tamo” precisando de um sociólogo para explicar essas situações, que, aliás, não se restringem a enterros.
Vocês se lembram da saída do casal Nardoni – acusado de matar a filha Isabela – para a penitenciária? Pois é, já naquela oportunidade me incomodei com a multidão que se aglomerou em frente ao prédio para assistir à polícia recolhê-los ao xilindró. Lembro bem de uma senhora, já entrando na terceira idade, dizendo que viajou quatro horas de ônibus para ver a cena, o castigo dos Nardoni. O que motivava essa senhora, meu Deus? Será que não tinha nada melhor a fazer? Será que isso era o melhor que tinha a fazer: condenar o casal previamente com sua raiva, sua crença na versão da polícia e da mídia?
Pois bem, essa era a deixa que vinha costurando para discutir, já de forma teórica, refletida e acadêmica, a atuação da mídia nesse caso. Para mim foi deplorável, condenável sob todos os aspectos, antes, durante e depois. Tratou-se, como costumamos dizer nas aulas da faculdade, de espetacularizar a notícia, colocar mais drama numa situação que já era em si dramática. Chego a concordar com os que apontam o dedo para certos apresentadores de televisão que entrevistaram o seqüestrador.
Meu Deus, para que dar voz a alguém que está cometendo um crime? Mesmo que não tivesse matado Eloá, Lindemberg já ferira uns seis ou sete artigos do Código Penal. Era um bandido – apesar das motivações – no exercício de seu metiê. Ganhou as luzes da ribalta, auto-proclamou se “príncipe do gueto”, “o cara”. Tinha razão, a mídia irresponsável – que se contrapõe à responsável – o transformou em astro relâmpago, quase como um Alemão (vencedor de um desses BBBs), deu-lhe os 15 minutos de fama previsto pelo artista plástico Andy Warhol e agora, por cúmplice dele, o poupa, preferindo buscar os erros da polícia.
Aliás, sobre espetacularização devemos todos relembrar as aulas de Tomzé, na Ufam, e assistir novamente à “A Montanha dos Sete Abutres”, com Kirk Douglas. Jornalista que assistiu ao filme e entendeu a aula do professor da Ufam não entrevistaria seqüestrador durante o seqüestro. Para tudo na vida há limite, até para a irresponsabilidade.
Por fim, não tenho procuração ou motivação para defender a PM – de São Paulo ou mesmo a de Manaus -, mas seu papel deve ser reposto no caso. Cometeu equivoco? Sim, como qualquer instituição comete. Não é 100% infalível, sobretudo ao deixar a amiga Nayara voltar ao cativeiro. Poderia ter matado Lindemberg? Poderia, e aí todo mundo a condenaria por não negociar.
Vejo com especial atenção a busca pela opinião de especialistas em segurança e como eles falam besteiras. Foi dado, por exemplo, a um perito da Unicamp, uma fita gravada a um quarteirão e meio de distância do local para que ele atestasse ou não se a polícia entrou antes ou depois de tiros terem sido disparados. A fita é horrível, está a um quarteirão e meio de distância, o foco do cinegrafista era outro, depois da explosão da porta ele focou na origem do barulho. O perito diz na passagem (quando ele fala para as câmeras) que não houve tiro antes da explosão. Na nota pelada da apresentadora (quando ela encerra com citação dele), o perito diz que a conclusão é provisória. Isso é sacanagem!!!!
À noite, no programa da burra-mor, um cara disse que a polícia poderia usar uma máquina de scanner que dava para saber pelo calor dos corpos quem estava em qual quarto. Máquina de scanner???? Esse cara tá assistindo muito Law&Order, CSI, SWAT no canal TCM. Pelo amor de Deus, o culpado pela tragédia é o Lindemberg. A polícia não pode ser 100% eficiente. Pegue-se o histórico do tal grupo especial, é uma excelência na polícia brasileira, mas mesmo assim deve viver a míngua. Francamente!!!!
* Filósofo, jornalista e mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia/Ufam.