Adeus, meu amigo 200!
Duzentos cultivava a amizade e a lealdade, gostava de tomar banho, não admitia dormir no chão e curtia boa música

Publicado em: 02/01/2022 às 07:57 | Atualizado em: 02/02/2023 às 19:50
Neuton Corrêa
Sim, 200. Esse foi o nome que escolhi para lhe dar.
Eu lhe achei parecido com aquele cachorro da cédula de R$ 200 que havia acabado de ser lançada no país, naquele setembro de 2019.
Aliás, hoje, 15 meses depois, ainda não vi nenhuma delas passar pela mão.
Eu havia acabado de chegar ao Sítio Tia Dinoca, em Iranduba (AM), naquele mês.
O 200 era parte de um lote de dez cachorros que apareceram em casa assim que comprei o sítio.
Mas, entre todos, o 200 era diferente. Tinha gosto e hábitos diferentes dos demais.
Dormida
Comecei notando essa diferença com os locais que escolhia para dormir.
Ele nunca dormia no chão.
Enquanto todos os outros faziam buracos na terra para se acomodar, o 200 dava jeito de subir em qualquer lugar para passar a noite.
Ele, por exemplo, transformou uma churrasqueira em cama.
Ele nem cabia dentro dela, mas se agasalhava de um jeito que parecia mostrar estar apreciando a dormida.
Lembro-me quando fizemos o aniversário da Darci, naquele ano. Ficaram umas cadeiras no chavascal que transformamos em praia. Lá ele dormia.
A dormida dele ficou ainda mais diferente quando a gente construiu um barracão.
Pois o sacana deitava-se de costas e colocava as patas para cima até adormecer.

Música
Outra coisa que chamava atenção no 200. Ele gostava de música, música boa, música ao vivo.
Em abril de 2021, quando o David Assayag passou uns dias aqui, observei que ele tentou fazer amizade com o artista.
Para onde o David ia com o violão, o 200 ia também.
Numa das ocasiões, o 200 se colocou na pracinha que chamo de Memorial Emerson Maia e foi ouvir a música do David, acompanhada do violão do maestro Neil Armstrong.
Registrei esse momento.

Também em abril, recebi a visita do deputado e cantor Tony Medeiros.
Foi curioso como ele prestava atenção nas canções do Tony, que fez questão de registrar o encontro com o 200 em suas redes sociais.

Depois do Tony, o 200 apreciou a sofrência do Tiago Lima e os clássicos de MPB do Ângelo Márcio.
Banho
Outra coisa curiosa no 200. Ele gostava de água, água fresca.
Nunca ele tomava água das sobras de perto de casa.
Quando tinha sede, ele descia para o igarapé degustava da água gelada e corrente do sítio.
E já aproveitava para tomar banho. E isso se via todo dia.
Nadava para o meio do igarapé, bebericava a água, nadava um pouco mais e voltava para casa.
Às vezes, ele atravessava o igarapé e ia se balançar e rolar na praia do vizinho.
Acho que foi numa dessas saídas que ele não voltou mais.
Mas não quero me lembra disso. Não agora.
Amizade
Quero lembrar da minha amizade com o 200.
Eu era uma festa para ele. E ele, uma alegria, para mim.
Nos últimos meses, sua lealdade comigo me fez olhar para ele com mais respeito ainda.
Pois o 200 fazia uma festa quando eu chegava aqui em Iranduba.
Só parava de pular em mim quando eu tocava nele para lhe fazer um cafuné, mesmo que fosse só uma coçadinha no seu pelo.
Na minha última pesca, aqui por perto de casa, no lago do Limão, a amizade e a lealdade dele para comigo me comoveu.
Nesse dia (Tá fazendo um mês, mais ou menos), fui com o Victor Rodrigues, rapaz que trabalha com a gente aqui no sítio, para uma pescaria.
Saímos de casa com toda a matilha do Tia Dinoca.
No meio do caminho, porém, outra matilha fez os nossos cachorros correr.
Todos voltaram, menos o 200.
Ele, aliás, nem se importou com os latidos os outros. Seguiu, imponente e soberano, em seu caminho.
Quando chegamos no lago e começamos a remar, o 200 se negou a ficar na beira, esperando.
Ele também queria estar na canoa e nadou atrás da gente.
Não houve jeito. Tive que esperá-lo e embarcá-lo.
E, assim, ficou o restinho de tarde chuvosa pescando também.
Mas um detalhe nesse dia quase faz as águas dos meus olhos se juntarem com a água que o céu mandava.
É que depois que o embarquei e depois que ele se balançou para tirar o excesso de água do corpo, ele foi em minha direção e pediu um carinho na cabeça.
Dei-lhe o que ele pedia por algum tempo e falei para o Victor.
“Victor, está acontecendo uma coisa agora, aqui, que eu não vou esquecer nunca mais e que só guardarei na minha mente, porque eu não trouxe meu celular”.
E assim ficamos até a volta para casa.
Tristeza
O 200 está desaparecido desde o dia 30.
Meu coração me diz que ele não voltará mais.
Se aqui estivesse, não perderia a oportunidade de me receber e de ganhar um carinho.
Do outro lado do igarapé urubus sobrevoam um defunto, exatamente na direção de onde o 200 gostava de se rolar depois do banho.
Mas eu não vou lá para ver, porque eu quero ter dele apenas as melhores lembranças.