Tarcísio de Freitas contraria a tendência internacional

Conforme o articulista, a decisão do governo paulista de privatizar a SABESP revela-se um erro estratégico e um retrocesso civilizatório. Leia o que diz o engenheiro Jorge Luis Rodrigues Pantoja Filho

Tarcísio de Freitas contraria a tendência internacional

Ednilson Maciel, por Jorge Luis Rodrigues Pantoja Filho*

Publicado em: 25/06/2025 às 15:20 | Atualizado em: 25/06/2025 às 16:08

A privatização da Companhia de Saneamento de São Paulo (SABESP) já foi consumada sob a liderança do governador Tarcísio de Freitas, o “limpinho”, mesmo diante de alertas técnicos, protestos sociais e ampla contestação por parte de especialistas.

O governo do estado ignora experiências internacionais e recomendações de organizações da sociedade civil e adota uma medida que contraria o interesse público e coloca em risco o acesso universal a um serviço essencial, transformando a água, um bem vital, em mais uma mercadoria subordinada à lógica do lucro.

Deve ser considerado que a privatização de uma companhia de saneamento básico não é compatível com a garantia de acesso universal ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário, principalmente porque empresas privadas são orientadas pela busca do lucro e não pela promoção de direitos fundamentais.

De modo diverso, o Estado deve assumir a responsabilidade pela oferta universal de água, reconhecendo-a como bem comum necessário à vida. A experiência internacional tem mostrado que a gestão privada do saneamento resulta frequentemente em elevação das tarifas, queda na qualidade dos serviços, insuficiência de investimentos e exclusão de populações mais vulneráveis.

Exemplos pelo mundo

Diversos exemplos pelo mundo ilustram esse cenário. Em Paris, após mais de duas décadas de gestão privatizada pelas multinacionais Veolia e Suez, a reestatização foi realizada em 2010, motivada por aumentos tarifários, falta de transparência e perda de controle público. Desde então, tarifas foram reduzidas, a governança pública foi fortalecida e os lucros passaram a ser reinvestidos no próprio sistema.

Na Alemanha, Berlim enfrentou situação semelhante: a privatização parcial da Berliner Wasserbetriebe, em 1999, resultou em contratos obscuros e tarifas elevadas. A população, insatisfeita, aprovou em referendo a exigência de transparência, e, em 2013, o serviço foi plenamente reestatizado.

Na América Latina, Buenos Aires privatizou seus serviços em 1993, concedendo-os à francesa Suez. A má qualidade dos serviços, o não cumprimento das metas contratuais e os aumentos excessivos nas tarifas culminaram na rescisão do contrato em 2006 e na criação da empresa pública AySA, que ampliou significativamente a cobertura de água e esgoto.

Na Bolívia, a privatização de Cochabamba, em 1999, levou a aumentos tarifários abusivos e à repressão do uso de fontes alternativas de água, provocando a emblemática “Guerra da Água”. A forte resistência popular forçou a anulação do contrato em 2000 e a reestatização do serviço.

Na esteira desses acontecimentos, em Jacarta, Indonésia, as privatizações de 1997 resultaram em um sistema precário, com tarifas altas e serviços deficitários. Após anos de litígios e insatisfação, a reestatização foi concluída em 2023, devolvendo ao poder público a gestão hídrica.

Na África, Maputo, capital de Moçambique, também exemplifica essa tendência: após a concessão à multinacional SAUR em 1999 e o fracasso na melhoria dos serviços, a gestão pública foi retomada em 2010, com avanços progressivos na qualidade e no acesso.

A reestatização é a tendência

A reestatização dos serviços de saneamento tornou-se, assim, uma tendência global. De acordo com levantamento do Transnational Institute (TNI) e do Observatório da Remunicipalização, mais de 300 processos de reestatização foram realizados entre 2000 e 2022, em pelo menos 37 países. Importante destacar que em aproximadamente 40% desses casos houve a rescisão unilateral dos contratos pelos governos, enquanto, em outros, optou-se por aguardar o fim do contrato para promover a reestatização.

Tal cenário reforça a compreensão de que o saneamento deve ser encarado como uma política de Estado, um verdadeiro projeto de nação, e não pode jamais ser submetido à lógica privatista. O abastecimento de água é uma questão de segurança nacional, sendo que o controle e a gestão desse recurso estratégico não podem ser entregues a interesses privados que, por definição, visam a maximização dos lucros, ainda que à custa da exclusão de parcelas significativas da população.

A lógica do lucro a qualquer custo, predominante nas privatizações, representa um risco concreto à garantia de direitos fundamentais. O fornecimento de água e o tratamento de esgoto (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n. 6, parte da Agenda 2030 da ONU) não podem ser tratados como commodities sujeitas às flutuações do mercado, mas devem ser concebidos como direitos inalienáveis, que asseguram a dignidade humana, a saúde pública e a preservação ambiental.

Nesse sentido, subordinar esses serviços essenciais aos interesses privados significa colocar a rentabilidade acima da vida, comprometendo a justiça social e aprofundando desigualdades históricas.

A perda de know-how técnico

Além disso, a privatização da SABESP traz consigo o risco concreto de perda de habilidades adquiridas pelas experiências acumuladas por técnicos concursados, altamente capacitados. A possível saída ou a precarização desses profissionais especializados comprometerá a continuidade e a qualidade dos serviços, assim como enfraquecerá a capacidade técnica do próprio Estado de planejar e operar o setor. 

A substituição de funcionários públicos por trabalhadores do setor privado, que podem ter menos experiência ou especialização na área determinada, é, muitas vezes, negligenciado no debate; significa o esvaziamento institucional que pode representar um prejuízo irreversível à autonomia pública e à soberania na gestão dos recursos hídricos.

Considerações finais

Diante desse contexto, a decisão do governo paulista de privatizar a SABESP revela-se um erro estratégico e um retrocesso civilizatório, que pode gerar impactos negativos duradouros para milhões de paulistas. As lições internacionais não poderiam ser mais claras: o saneamento deve permanecer sob gestão pública, transparente e democrática, como um bem comum e um direito humano fundamental.

*O autor é engenheiro, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Lagoa do Sino.

Foto: Pablo Jacob/governo do Estado de São APulo