A perplexidade dos não perplexos
Esta crônica inspira-se, modestamente, num recorte da obra de Slavoj Zizek, publicada pela Editora Vozes em 2024, originalmente vinda a lume em 2022 e intitulada “Mais-gozar: um guia para os não perplexos”, e que trata da confusão imensa em que se encontra o nosso mundo nessa terceira década de século.
Da obra, na introdução, diz seu autor: “este livro é definitivamente um guia para os não perplexos: ele não tenta esclarecer as coisas para os perplexos, mas tenta deixar perplexos os não perplexos que nadam confortavelmente na água da ideologia cotidiana, não apenas tentando deixá-los perplexos, mas demonstrando que sua perplexidade recém-adquirida já reside na própria coisa” (p. 27).
Sobre a leitura
É uma leitura do mundo, feita por um intelectual da esquerda não ortodoxa, retomando a leitura das ideologias a partir de Hegel, o que, por si só, deixa perplexa a maioria acadêmica marxiana, buscando construir um novo conceito de ideologia.
E o autor Zizek justifica: “a confusão político-ideológica em curso (violência populista que se aproxima da guerra civil) não pode ser explicada apenas por interesses econômicos escusos e manipulações ideológicas – é preciso introduzir um gozo (racista, sexista) claramente discernível em eventos públicos carnavalescos da direita alternativa”(mesma obra, p. 20).
Para quem vinha de uma compreensão empobrecida mas significativa de um ditado popular, que circulava com frequência, desde a minha infância, quando se queria comentar coisas absurdas, as citações de Zizek e sua obra chamaram-me a atenção.
No popular, dizia-se que “no mundo tem gente para tudo e sobram algumas para que o cão nelas ponha celas e cavalgue em cima”.
Como se vê, essa ideia de mundo cão é velha, mas retrata ainda uma concepção de mundo do pecado e até do “gozo” como pecado, mas dentro de uma teologia judaico-cristã que parametriza o bem e o mal. O que temos aqui é uma nova concepção de “gozo” como objeto de uma ideologia, muito mais complexo.
E qual é o por quê de toda essa peroração filosófica? Ora por quê? Porque as coisas do nosso mundo estão viradas de cabeça para baixo, deixando-nos ainda mais perplexos, mas deixam, também, uma multidão de cegos que precisam ser despertados para a perplexidade.