Tadeu Garcia: o poeta lítero-musical do Garantido
Não há exagero em chamá-lo de gênio. As letras e as melodias de suas toadas não são feitas apenas para serem ouvidas, mas, sim, para serem sentidas

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 21/06/2025 às 00:04 | Atualizado em: 21/06/2025 às 00:04
A coluna de hoje presta uma justa homenagem a Tadeu Garcia, a quem eu defino como um poeta lítero-musical. Agrônomo por formação e artista por vocação, Tadeu transita com muita naturalidade entre a ciência, a literatura e a música, compondo saberes como quem escreve versos: com leveza e profundidade.
Recentemente, tive o prazer de entrar em contato com o livro As lendas e tradições do folclore de Parintins: um mergulho na cultura amazônica e suas raízes ancestrais, de sua autoria. Trata-se de uma obra que se destaca no panorama da literatura sobre o folclore amazônico.
Eu coloco esse livro na prateleira das leituras obrigatórias para quem deseja entender não só as histórias fantásticas, mas o porquê de elas serem vibrantes e essenciais para a construção da identidade parintinense. É uma leitura que une emoção, cultura e história em torno da alma de um povo e suas tradições.
Intérprete da floresta
Tadeu Garcia é poeta, compositor, pensador e intérprete da floresta. Não há exagero em chamá-lo de gênio. As letras e as melodias de suas toadas não são feitas apenas para serem ouvidas, mas, sim, para serem sentidas. Elas espelham a alma do povo vermelho e branco da Baixa da Xanda, como pode ser visto na toada Alma de Guerreiro, composta em 2002.
Nessa toada, ele afirma que o Garantido é o melhor, mas sem arrogância. Faz isso à sua maneira, com seu estilo lítero-musical inconfundível. Na verdade, essa toada é a materialização de seu amor desmedido pelo garrote. É esse amor pelo boi de Lindolfo Monteverde que fez – e ainda faz – nascer várias joias musicais, como as famosas Evoluções que fazem enorme sucesso no Festival de Parintins.
Da Primeira à Décima Oitava Evolução, é possível percebermos uma evolução dentro da Evolução. Vemos o amadurecimento do poeta e do compositor, assim como a transformação do boi-bumbá que disputa o item 10 do festival. As Evoluções são toadas que nos conduzem por dimensões do tempo, revelando a alma da cultura cabocla-ribeirinha de Parintins.
As Dimensões do Vaqueiro
É importante ressaltar que Tadeu sempre valorizou a presença essencial dos vaqueiros na história do boi. Seja na grandiosa cena do teatro a céu aberto do bumbódromo, seja na rotina árdua das várzeas e terras-firmes amazônicas, o vaqueiro permanece como uma figura imprescindível.
Aliás, sem o vaqueiro, não há condução do gado, tampouco pecuária. Da mesma forma, no boi de pano, são os vaqueiros que garantem a fluidez e a beleza das evoluções na arena, imprimindo ao espetáculo a força de suas raízes. A toada As Dimensões do Vaqueiro, do álbum 2024 do Garantido, comprova exatamente isso.
Vibração da resistência
Tadeu também possui uma visão crítica do processo de ocupação da Amazônia, bem como de seu atual estágio de desenvolvimento. Na toada Tempos de Cabanagem, escrita em parceria com Paulinho Du Sagrado, em 1998, é possível sentir a força de sua consciência e o pulsar de sua resistência.
Nesse sentido, quem ouve essa toada e lê sua obra As Lendas e Tradições do Folclore de Parintins: um mergulho na cultura amazônica e suas raízes ancestrais compreende que Tadeu não compõe apenas com a mente. Ele compõe com memória, com chão e com o tambor da história vibrando no peito.
Considerações finais
Concluo esta singela homenagem a Tadeu Garcia, afirmando que ele não é apenas um compositor do Boi Garantido. Ele é uma ideia e uma estética. A sua poética desenha os contornos daquilo que há de mais nobre no Festival de Parintins: a capacidade de unir beleza e crítica, sonho e realidade, emoção e consciência.
Daqui, do frio cortante de São Paulo, desejo vida longa ao poeta da Baixa. Vida longa a Tadeu Garcia!
*Sociólogo