Como ação de senadores e deputados afrouxou proteção do meio ambiente
Enchentes no Rio Grande do Sul destacam impacto de leis que reduziram proteção ambiental na última década.

Diamantino Junior
Publicado em: 20/05/2024 às 14:29 | Atualizado em: 20/05/2024 às 14:49
As recentes enchentes no Rio Grande do Sul reacenderam a discussão sobre as medidas adotadas pelas autoridades para minimizar o impacto de tragédias climáticas. Um levantamento solicitado pelo GLOBO revela que, na última década, ao menos 11 leis aprovadas pelo Congresso reduziram a proteção ambiental.
Entre elas, seis flexibilizaram artigos do Código Florestal de 2012, um marco regulatório crucial para a preservação da vegetação nativa. Outras mudanças incluem regras mais rígidas para a demarcação de terras indígenas e a facilitação da importação de agrotóxicos.
Ambientalistas argumentam que o afrouxamento dessas normas facilita o desmatamento, aumenta as emissões de carbono e contribui para o aquecimento global. Em contraste, parlamentares da bancada ruralista contestam essa relação, considerando as críticas uma tentativa de criminalizar a agropecuária.
Uma das leis controversas permitiu a regularização de edifícios às margens de cursos d’água em áreas urbanas, transferindo aos municípios a responsabilidade de regulamentar as faixas de preservação, com um limite mínimo de 15 metros.
Anteriormente, essas áreas eram consideradas de Preservação Permanente (APPs) e sua extensão era baseada na largura do curso d’água. Segundo Marcelo Dutra, do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), essa mudança incentivou construções em áreas vulneráveis, como a Lagoa dos Patos e o Vale do São Gonçalo, que foram inundadas após as chuvas intensas.
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O Cadastro Ambiental Rural (CAR), um instrumento do Código Florestal para fiscalizar APPs e áreas de reserva legal, ainda enfrenta dificuldades na sua implementação. Muitos registros de uso da terra não foram validados pelas autoridades estaduais, com prazos de implantação prorrogados quatro vezes.
No Rio Grande do Sul, nenhum registro ativo do CAR foi analisado, e no Brasil, apenas 0,6% dos 7,4 milhões de imóveis cadastrados estão em conformidade com a lei.
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, destaca que a bancada ruralista pressiona por uma flexibilização das normas de proteção ambiental, avançando contra regras que demandam licenças e outros atos autorizativos.
Desde 2012, 2.287 projetos de lei sobre meio ambiente foram propostos no Congresso, com 41 aprovados. Pelo menos 11 desses textos flexibilizaram a preservação ambiental.
Além disso, 25 projetos de lei e três propostas de emenda à Constituição (PECs) em tramitação representam ameaças a direitos socioambientais, abordando temas como grilagem, direitos indígenas e financiamento da política ambiental.
Pedro Abi-Eçab, professor da Faculdade Mackenzie Brasília, ressalta que, em 2012, a ciência já alertava sobre os desastres climáticos, mas o debate jurídico internacional ainda não era tão robusto como hoje. Apesar de a legislação brasileira ter bons instrumentos, sua aplicação é insuficiente.
Alceu Moreira (MDB-RS), ex-presidente e integrante da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), afirma que culpar as iniciativas aprovadas pela catástrofe no Rio Grande do Sul é “erro de avaliação, oportunismo e demagogia”.
Ele questiona se a enchente semelhante em 1941 teria sido causada pelos mesmos motivos apontados agora, como o efeito estufa e os projetos de lei.
Os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não comentaram o levantamento. Lira, no entanto, já afirmou a interlocutores não ver relação entre o afrouxamento de leis ambientais e desastres climáticos, considerando-os um fenômeno global.
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Foto: Senado