Nikolas é condenado a pagar R$ 200 mil por transfobia

Nikolas Ferreira fantasiou-se “com um uma peruca amarela” e apresentou-se como “deputada Nikole”. 

Nikolas é condenado a pagar R$ 200 mil por transfobia

Ednilson Maciel, da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 30/04/2025 às 07:52 | Atualizado em: 30/04/2025 às 07:52

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) foi condenado ontem (29) pela Justiça a pagar uma indenização de R$ 200 mil por dano moral coletivo. 

Trata-se de uma resposta a ação civil pública proposta pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh) devido a discurso feito “de maneira irônica e ofensiva aos transgêneros” pelo parlamentar em 2023. 

Conforme o Estado de Minas, no dia 8 de março de 2023, Dia Internacional da Mulher, em plenário da Câmara dos Deputados, Nikolas fantasiou-se “com um uma peruca amarela” e apresentou-se como “deputada Nikole”. 

“Hoje é o Dia Internacional das Mulheres”, falou ele, entre outros dizeres, na ocasião. “A esquerda disse que eu não poderia falar porque eu não estava no meu local de fala. Então solucionei esse problema aqui ó (coloca peruca). Hoje, eu me sinto mulher. Deputada Nikole. E eu tenho algo muito interessante aqui pra poder falar. As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres.” 

Segundo as organizações, as falas do deputado no dia, bem como a própria manifestação delas, configuram “crime de transfobia, além de discurso de ódio e incitação à violência contra a população LGBTI+” — conforme explica na sentença a juíza Priscila Faria da Silva, da 12ª Vara Cível de Brasília. 

Com isso, a aliança e a Abrafh enfatizam que “as falas (de Nikolas) foram transmitidas para todo o território nacional” e replicadas “milhares de vezes nas mais diversas redes sociais”. 

Para as associações, o valor da indenização — que haviam estabelecido em R$ 5 milhões — deveria levar em conta a “quantidade de pessoas que compõem a comunidade LGBTI+ no Brasil, cerca de vinte milhões de indivíduos”. 

Assim, o valor, segundo elas, deveria ser “destinado à estruturação de centros de cidadania LGBTI+ ou a entidades de acolhimento e promoção de direitos da comunidade atingida. Assim como a projetos que beneficiem a população LGBTI+ ou, alternativamente, ao Fundo de Direitos Difusos (FDD) para projetos que integrarem seu rol nesta temática”. 

Além disso, pediam, entre outros, a “imediata suspensão das redes sociais” de Nikolas ou “imediata remoção das postagens por ele veiculadas relacionadas à fala feita” na ocasião; bem como a condenação do parlamentar “a publicar retratação pelos mesmos meios e pelo mesmo tempo” em publicação que ficasse no ar pelo prazo mínimo de um ano. 

Deputado contestou

À época, o deputado federal do PL contestou a ação, afirmando que a manifestação estaria “amparada pela tutela da imunidade parlamentar” — que permitiria que parlamentares se expressassem “de forma livre, não necessariamente formal, e inclusive por meio de gestos e apetrechos, se assim desejarem”. 

Também disse que se manifestou “do modo em questão a fim de chamar a atenção do povo brasileiro para algo que, sob a sua ótica, é extremamente sério”, protegido, além da imunidade parlamentar, pela “liberdade de expressão”; e negou que a fala tivesse caracterizado discurso de ódio e incentivado ouvintes a atacarem a comunidade LGBT. 

O Ministério Público não acolheu a defesa de Nikolas e afirmou “não ser razoável e aceitável que um parlamentar utilize uma peruca para ridicularizar a identidade de gênero de pessoas trans e travestis”. De acordo com o órgão, ainda que a intenção do deputado fosse fomentar discussão, a expressão dele se revelou “difusora de discriminação”, o que deveria ser punido.

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“Nenhum direito é absoluto”

Na decisão desta terça, a juíza enfatizou que, embora direitos de livre manifestação do pensamento e de expressão sejam fundamentais, “nenhum direito é absoluto”; e que “é possível restringir a liberdade de expressão quando o discurso é utilizado para praticar ou incitar conduta criminosa, com o único objetivo de ofender, ou mesmo para difundir o ódio contra grupos vulneráveis”.  

Segundo a juíza, para que se estabeleça discurso de ódio, não é preciso utilizar de adjetivos pejorativos ou “dar ordens explícitas de atos violentos contra os integrantes do grupo que se pretende discriminar”.

Ele “pode ser velado, subliminar, dissimulado, sutil, e talvez nessa modalidade seja até mais perigoso, porque não fica necessariamente explícito, e revela-se aparentemente mais aceitável socialmente”. 

Ela considerou, portanto, que a fala de Nikolas ultrapassa limites do direito da livre manifestação de pensamento e constituiu “verdadeiro discurso de ódio”, por descredibilizar “a identidade de gênero assumida pela população transexual” e incitar “a sociedade a fazer o mesmo” — violando, assim, a dignidade de um “grupo já bastante marginalizado”. 

“A ausência de termos explicitamente ofensivos não desnatura o cunho discriminatório do discurso, evidenciado desde a utilização de uma peruca para escarnecer a transição de gênero por que passam os indivíduos transsexuais até a propagação da ideia de que a existência de mulheres trans põe em risco direitos como a segurança e a liberdade de mulheres cisgênero”, completa a decisão. 

Para se falar em dano moral coletivo, diferentemente de dano individual, esclarece a juíza, a ofensa produzida deve ter relevância para que se possa falar em reparação.

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Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados