Calor faz manauara trocar o Norte pelo Sul
Relato é da escritora, roteirista Giovana Madalosso, em sua coluna desta segunda-feira, na Folha de S.Paulo

Ednilson Maciel, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 20/01/2025 às 07:52 | Atualizado em: 20/01/2025 às 07:53
Giovana Madalosso, uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras, encontrou em Curitiba o que descreve como uma “onda migratória peculiar”.
São pessoas migrando para o Sul, fugindo do calor do Norte. A região viveu dois anos calor extremos (2023 2 2024).
“A primeira vez que vislumbrei a onda foi num jantar. Curitiba não é como São Paulo ou Rio, em que as mesas reúnem comensais egressos dos quatro cantos. É raro se ouvir um sotaque diferente entre as araucárias e, de repente, o de um casal chamou a minha atenção. Eram dois artistas manauaras que tinham acabado de se mudar para a capital paranaense. Perguntei por que tinham feito isso. Para fugir do calor, o manauara respondeu, argumentando que a capital do Amazonas nunca esteve tão quente”.
Como muitos leitores sabem, tenho vivido entre São Paulo e Curitiba. E, nesta segunda cidade, venho assistindo a uma onda migratória peculiar, diferente de qualquer outra que acompanhei até então.
A primeira vez que vislumbrei a onda foi num jantar. Curitiba não é como São Paulo ou Rio, em que as mesas reúnem comensais egressos dos quatro cantos. É raro se ouvir um sotaque diferente entre as araucárias e, de repente, o de um casal chamou a minha atenção. Eram dois artistas manauaras que tinham acabado de se mudar para a capital paranaense. Perguntei por que tinham feito isso. Para fugir do calor, o manauara respondeu, argumentando que a capital do Amazonas nunca esteve tão quente.
Nos meses seguintes, descobri que aquele não era um caso único. Ao lado de imigrantes venezuelanos, cubanos e haitianos, que costumam optar por Curitiba por motivos de natureza política ou econômica, os brasileiros chegam buscando mais qualidade de vida e —aí vem a novidade— às vezes uns graus Celsius a menos, como outra família que conheci, vinda do Espírito Santo.
Isso sem falar nos gaúchos que, traumatizados com a catástrofe climática que destruiu Porto Alegre e com a inépcia do governo em preparar a cidade para um possível novo episódio, escolheram mudar de vez para esta outra capital do sul.
Faço ioga com uma paulistana recém-chegada que não mencionou a crise climática como motivo para ter saído de São Paulo. No entanto, entre um movimento de braço e outro, ela disse que migrou por conta do caos, dando como exemplo a fumaça das queimadas que rebaixaram o ar da pauliceia ao pior do mundo (olha a crise climática aí) e as quedas prolongadas de luz que lhe fizeram perder trabalho e dinheiro (olha a crise climática aí de novo, somada à inépcia de Enel).
E o que dizer de Santa Catarina nos últimos dias? E de Los Angeles? Quantas pessoas, neste exato momento, não cogitam deixar suas cidades? Os habitantes das ilhas Tuvalu não podem nem se dar ao luxo de cogitar. A chance de as ilhas desaparecerem é tão concreta que a Austrália já estuda um acordo para receber esses imigrantes.
Tirando casos agudos, a escolha de migrar ou não migrar acaba por ser um privilégio de classe. Nos próximos anos, assistiremos ao triste espetáculo dos ricos migrando para áreas mais seguras e amenas.
Ou instagramando fotos de seus bunkers.
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Foto: Agência Brasil