Donos de 7,6 mil armas da era Bolsonaro são ilegais na PF
São fuzis, carabinas e pistolas cujo paradeiro não foi comprovado em recadastramento obrigatório.

Diamantino Junior
Publicado em: 06/05/2025 às 13:08 | Atualizado em: 06/05/2025 às 13:08
Donos de quase 7.600 armas de uso restrito, como fuzis e pistolas, adquiridas por Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) durante o governo Bolsonaro, encontram-se em situação irregular perante a Polícia Federal (PF). Estes proprietários não cadastraram ou não concluíram os processos obrigatórios de recadastramento, o que, segundo especialistas, pode significar que este arsenal, equivalente a 15% do total adquirido na época, pode estar em circulação e até mesmo nas mãos do crime organizado.
o recadastramento mandatório e o papel da gestão anterior
Uma portaria publicada pelo governo Lula, sob a gestão de Flávio Dino no Ministério da Justiça e Segurança Pública, determinou que todas as armas de CACs fossem cadastradas no sistema da Polícia Federal.
As armas de uso restrito exigiam uma segunda etapa: a apresentação física da arma pelo proprietário à autoridade policial.
A medida visou retomar o controle sobre o armamento adquirido durante o governo Bolsonaro, período em que houve incentivo ao armamento da população, ampliação do acesso a calibres mais potentes e enfraquecimento dos mecanismos de fiscalização.
Armas de uso restrito são aquelas autorizadas para as Forças Armadas, instituições de segurança pública e, mediante autorização do Exército, para CACs.
Números do recadastramento e o arsenal com paradeiro incerto
Dados da Polícia Federal (via Lei de Acesso à Informação) mostram que 939.559 armas de CACs foram recadastradas.
Deste total, 44.276 eram de uso restrito. No entanto, apenas 42.848 destas foram efetivamente apresentadas pessoalmente pelos proprietários, conforme exigido.
Até 2022, o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas do Exército registrou a aquisição de 50.432 armas de uso restrito por CACs.
Cruzando os dados, conclui-se que 7.584 dessas armas de uso restrito (aproximadamente 15% do total) seguem sem comprovação de paradeiro junto à PF.
Consequências e ações previstas (ou a ausência delas)
Uma portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública já prevê a apreensão da arma e a aplicação de infrações administrativas e penais para quem não realizou o recadastramento.
Contudo, a pasta ainda trabalha em uma norma para efetivar essa previsão.
Estuda-se que o responsável pela arma não recadastrada seja alvo de busca e apreensão e que um inquérito seja aberto, mas somente após uma notificação e um prazo de 60 dias para entrega voluntária (via campanha do desarmamento) ou transferência legal.
Especialistas, como Bruno Langeani do Instituto Sou da Paz, criticam a morosidade, afirmando que a informação sobre as quase 8 mil armas de calibre restrito não recadastradas deveria ter gerado uma resposta imediata, o que não ocorreu.
Transição de responsabilidade e entraves na fiscalização:
A fiscalização dos CACs deve passar do Exército para a Polícia Federal a partir de julho. Originalmente, essa transição estava prevista para janeiro deste ano.
O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, atribuiu o atraso a cortes orçamentários que impediram a estruturação da PF para assumir a nova função.
Um dos principais entraves é a falta de pessoal. O Ministério da Gestão informou ter autorizado 1.392 vagas (a serem preenchidas por concursos e aproveitamento de seleções anteriores) e prevê mais mil vagas em 2026.
Especialistas apontam falhas no processo de recadastramento, como a falta de integração entre os sistemas da PF e do Exército e a ausência de cruzamento de dados, comprometendo a avaliação da efetividade da medida.
Alerta de especialistas sobre riscos
Roberto Uchôa, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, alerta que o arsenal não localizado é capaz de armar uma brigada inteira do Exército e que a situação deveria motivar respostas enérgicas do governo.
Uchôa também ressalta que negligenciar o controle do mercado legal de armas é ignorar uma das principais fontes de abastecimento do crime organizado.
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Ambos os especialistas concordam que, embora o governo Lula tenha restabelecido critérios mais rigorosos para aquisição de armas, o principal desafio reside no grande estoque de armamentos já em circulação.
Posicionamento Oficial
Procurado, o Ministério da Justiça indicou que a Polícia Federal seria a responsável por comentar o assunto.
A Polícia Federal, por sua vez, não respondeu à demanda da reportagem.
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Foto: banco de imagens