Somos todos cúmplices
Nunca estivemos tão indignados, mas, sempre estivemos sendo roubados, surrupiados em nossos direitos mais básicos de viver dignamente

Ferreira Gabriel, por Flávio Lauria*
Publicado em: 29/07/2024 às 11:31 | Atualizado em: 29/07/2024 às 11:31
Em meu último artigo, no início da semana passada, mostrei a fadiga dos que tentam se perpetuar no poder, mas não expressei minha opinião sobre tempo para políticos, síndicos e quem exerce poder por voto.
É simples: é só acabar com reeleição, aumentar o mandato dos ocupantes e votar consciente.
Relembro um filme francês antigo, dirigido por André Cayatte, com o título “Noas Somes Tous des Assassins” (Somos todos assassinos).
É um filme de tese, como na época era nomeado, e busca mostrar o perigo das injustiças que rondam a adoção da pena de morte.
Porém, vai mais longe e defende a tese de que toda a sociedade é responsável pelos comportamentos desviantes de seus membros.
Pensando na sociedade brasileira atual, baseando-nos na observação dos fatos expostos na mídia, concluímos que, como dizia Cayatte, se não somos todos assassinos, somos todos cúmplices.
O crime de corrupção, sobretudo o da corrupção nas altas esferas (e quando se fala de altas esferas é nos píncaros da administração pública e da sociedade civil), virou endêmico.
Empresários, magistrados, legisladores, administradores, estão envolvidos nas denúncias que, em vão, a mídia oferece.
O escândalo de hoje serve de borracha para apagar o de ontem.
E, levianamente, esquecemos os que ficaram para trás, que canalizaram o dinheiro suado dos impostos pagos pela classe média para o bolso de alguns abonados.
O valor que escorre no ralo da corrupção é estimado em 30 bilhões.
E a sociedade brasileira, mesmo com todas essas manifestações que aconteceram e acontecem, continua omissa, apática e, por isso mesmo, conivente.
Em todas as cidades, lembrando aqui especialmente a nossa, aumenta a taxa de mortalidade em assaltos, apesar do programa Ronda nos Bairros.
A discussão política que domina e chega aos jornais não leva em conta as necessidades da comunidade, sendo apenas: quem será o candidato para os cargos majoritários nas eleições vindouras? Qual o índice de aumento de salário dos poderes Executivo e Legislativo?
Só interessa a cada um o próprio destino político, nem sequer o de seu partido, pois mudam de lado a cada eleição.
São de um individualismo feroz e de um descaso evidente com os interesses sociais.
O ensino básico público no Brasil foi reprovado, e a informação passa ao largo das preocupações da sociedade. Mas, é essa educação, atabalhoada, mal ministrada, mal remunerada e mal digerida, que vai gerar já no futuro, e já está gerando no presente, os trombadinhas, os aviões do tráfico, os meninos de rua que, sem condições e preparo, não encontram como se encaixar no mundo do trabalho.
Muitos, enquanto alunos da escola pública, já estão no mundo do crime, em assaltos à mão armada, fato testemunhado por professores do centro e da periferia.
Assim, a geração dos bandidos atuais será substituída por outra mais jovem, mais preparada e mais aguerrida, pelos que sobreviveram à guerrilha urbana.
Somos todos cúmplices e coniventes porque nos omitimos.
Nunca estivemos tão indignados, mas, sempre estivemos sendo roubados, surrupiados em nossos direitos mais básicos de viver dignamente.
E aqui, finalmente, relembro uma frase de Victor Hugo em “Os miseráveis”:
“Os grandes são grandes porque talvez os seus súditos estejam de joelhos”.
*O autor é mestre e doutor em administração pública.
Foto: Antônio cruz / Agência Brasil