Reciclagem, fonte de emprego e renda nas cidades
Comparado a outros países, o Brasil ainda está muito longe de ter um percentual de reciclagem satisfatório

Mariane Veiga, por Marcellus Campelo
Publicado em: 12/01/2022 às 10:51 | Atualizado em: 12/01/2022 às 10:51
O Brasil gera por ano 80 milhões de toneladas de lixo e apenas 4% são reciclados, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Em Manaus, que já deu um salto de 2019 para cá, a taxa ainda está em 1,8%, mas com tendência de crescimento, levando-se em conta a movimentação que vem sendo feita pelos órgãos públicos e entidades que atuam no segmento.
Comparado a outros países, o Brasil ainda está muito longe de ter um percentual de reciclagem satisfatório. Na Alemanha, Bélgica e Suíça, por exemplo, o índice é acima de 50%.
O tema merece uma reflexão. Em geral, quando se fala em reciclagem, a ideia que se tem é unicamente de preservação ao meio ambiente, o que por si só já é muito importante, mas que não se esgota somente nisso. A reciclagem é fonte de geração de emprego e renda. É algo que precisa ser considerado sob o ponto de vista econômico.
Dados da Abrelpe mostram, por exemplo, que o país perde R$ 14 bilhões por ano com a falta de destinação correta dos resíduos. O que vai parar nos lixões das cidades poderia estar sendo usado para gerar renda e emprego nas empresas e cooperativas de reciclagem, além de cumprir a missão de preservar o meio ambiente.
Ou seja, as duas questões – econômica e ambiental – são importantes e estão imbricadas nesse tema do tratamento dos resíduos, setor que responde por 4% do total de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Os dados, de 2019, são do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, publicado pela Abrelpe, e mostram que esse percentual corresponde a 96 milhões de toneladas de CO2eq.
Conforme a Abrelpe, cerca de 45% dos resíduos sólidos urbanos coletados nas cidades brasileiras correspondem à matéria orgânica, um total de 36,5 milhões de toneladas por ano. Apesar de ser a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa, não recebe a devida atenção no Brasil, onde menos de 1% desse material é aproveitado, diz o estudo.
Para que haja uma mudança desse cenário no Brasil será preciso uma transformação comportamental e a implantação de políticas públicas. No âmbito local, a reciclagem é uma das ações socioambientais que estão sendo fortalecidas pelo Governo do Estado nas novas etapas do Programa Social e Ambiental de Manaus e Interior (Prosamin+). O programa transforma o meio ambiente e a vida das populações que moram em áreas de alagação, quando possibilita o acesso ao serviço de coleta, evitando que o destino do lixo seja o igarapé.
Parte da população reassentada pelo Prosamin passa a morar em parques residenciais e isso permite, com apoio de parceiros, fazer o trabalho de educação ambiental associado a cursos de reaproveitamento de resíduos sólidos. Isso já foi feito em etapas anteriores do projeto e vai ser ampliado e melhorado.
Em Parintins, por exemplo, o governador Wilson Lima autorizou e a Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE) está trabalhando no projeto para dar tratamento correto à lixeira pública, um problema crônico da cidade. A UGPE já identificou no local catadores que tiram dali o sustento da família e a ideia é trabalhar um projeto que possa não apenas resolver a questão ambiental, com o tratamento correto dos resíduos, mas também gerar atividade econômica para aquelas pessoas que dele dependem.
O tratamento dos resíduos está na pauta do dia, embora somente agora venha sendo debatido com mais regularidade e de forma mais próxima da população, graças a órgãos e entidades que militam na área. Há muito já se acendeu o alerta para a saturação dos lixões e aterros controlados ainda em operação nas cidades, exigindo que novas soluções comecem a ser implementadas, urgentemente.
Nos últimos anos, é preciso que se considere, houve realmente uma melhora na cobertura da coleta de lixo no Brasil, mas um avanço ainda tímido, principalmente quando se fala em coleta seletiva e reciclagem. Em 2010, quando entrou em vigor a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), foi estabelecido que até agosto de 2014 o país deveria estar livre dos lixões. Mas, ainda hoje, cerca de 8% do lixo produzido no Brasil, 6,3 milhões de toneladas, ainda não é sequer coletado e 40% do que é coletado é descarregado em lixões ou aterros. Essa é a realidade em cerca de 3 mil dos 5.500 municípios brasileiros.
Nesses 11 anos da PNRS, a geração de resíduos no Brasil cresceu 19%, mas o volume de reciclagem não acompanhou esse ritmo, ficando em 4% a média nacional. Um desafio que deve ser rompido, para que haja avanços concretos e para que os resíduos ganhem outros caminhos que não o dos lixões, mas sim, o do reaproveitamento, da geração de emprego e renda e desenvolvimento de novos negócios no segmento.
Imagine que mesmo num patamar tímido como esse, desde a implantação da PNRS a quantidade de empregos diretos gerados no setor cresceu 17%, com a geração de mais de 48 mil postos de trabalho. Isso é pouco, mas já dá a dimensão e o potencial do que pode ser alcançado.
Este é um setor que envolve mão de obra de catadores, ação de cooperativas e de empresas que atuam na coleta seletiva e tratamento dos resíduos. Toda uma cadeia que se movimenta, que emprega, que investe e que cumpre uma nobre missão.
Não é de lixo que tratamos aqui. A visão é outra. É material que será transformado em produto e que voltará para o mercado. Esse conceito precisa ser disseminado nas escolas, em campanhas de educação ambiental, em ações de valorização dos profissionais que atuam nessa área.
É preciso que ocorra uma transformação pela mudança de hábitos no dia a dia. Simples ações podem ser transformadoras. Comece em casa, separando o que é realmente lixo do que pode ser reciclado. A cidade possui 21 Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) de resíduos. Identifique o que está mais próximo da sua residência.
Rios, igarapés, mananciais, precisam ser preservados. No período de enchente é enorme a quantidade de lixo recolhido desses locais, a maioria plástico, que pode ser reciclado.
O descarte correto dos resíduos é muito importante e o conceito dos R´s da Sustentabilidade está aí para ajudar: Repensar, não misturando no lixo comum materiais que possam ser reciclados; Reutilizar, aproveitando ao máximo, antes de descartar; Reduzir, gerando o mínimo possível de lixo; e Reciclar, usando a matéria prima do resíduo para fabricação de outro produto, dando a destinação correta e não apenas o caminho dos lixões e aterros sanitários.
O autor é engenheiro civil, especialista em saneamento básico; exerce, atualmente, o cargo de coordenador executivo da Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE), órgão que gerencia as obras do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus e Interior (Prosamin).
Foto: Reprodução/EBC