Diário de uma quarentena | 9º dia, 29 de março – Sonho cinzento

Apenas um sonho, uma visão ou um estado psicológico? O capítulo de hoje trata de um sonho inquietante que se conforta nas palavras de um apóstolo

Neuton Correa,

De Neuton Corrêa*

Publicado em: 29/03/2020 às 19:19 | Atualizado em: 29/03/2020 às 20:38

Hoje é domingo. São 16h40.

O Amazonas tem agora 140 pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

Foram 29 registros novos em menos de 24 horas.

No mundo todo, até aqui, são 713.171 infectados confirmados.

Em todos os continentes já morreram 33.597 seres humanos, 3.122 pessoas nas últimas horas.

Os EUA seguem com maior população contaminada, confirmada.

Agora são 137.294 americanos infectados.

A Itália estancou um pouco o número de falecimentos.

Depois do recorde de 919 mortes da sexta-feira, sábado contou 889 óbitos e hoje 756, mas ainda lidera o ranking de países com mais vítimas fatais: 10.779.

No Brasil, hoje o presidente da República foi para as ruas circular e cumprimentar eleitores.

Porém, ontem, o Ministério da Saúde recomendou que as pessoas ficassem em casa.

 

O Benício vai sair correndo da quarentena

O Benício é meu sobrinho, filho da Andrea com o Nilson.

Hoje ele está com 54 dias de nascimento.

“Já vai sair da quarentena correndo”, brincou a Andrea, por telefone.

Liguei para ela para saber como estava e como protegia o rebento do vírus.

“Já estou em quarentena há cem dias. Não estou nem estranhando”.

Ela mora em Parintins, onde também moram meus pais.

Mas eles vivem no Miriti, zona rural.

Na semana passada, falei bastante com eles, pedindo que ficassem lá e tranquilizando que eles seriam reabastecidos semanalmente.

Mas estou preocupado.

Não conseguimos gente para ir até a cabeceira de canoa nem de rabeta.

Eu e o Fernando tentamos a operação, de barco.

A prefeitura restringiu as viagens pro interior.

A balsa que atravessa de Parintins para a Vila Amazônia, de onde se pega o transporte por estrada até a casa deles, só leva carros e mercadorias. Passageiros, não.

Combinamos um delivery da vila, mas nosso contato só vai trabalhar amanhã.

Eu não consigo falar com o papai e a mamãe.

Há três dias o telefone rural deles não funciona.

Imagino a saudade que estão sentindo do Benício, último neto deles.

 

Dois registros

Primeiro: o DJ

Ontem, fui cobrado por internautas que esperavam que eu fosse contar o que aconteceu na rave do DJ Kleyton, na sexta-feira.

Foi uma festa do arromba. Me diverti bastante, não na mesma intensidade da Darci, que dançou quase duas horas sem parar.

Contudo, éramos só eu e ela no salão.

O DJ tocava e o Rhaygner operava a transmissão na internet.

Segundo: o Pokémon

Pokémon é o Jander Freitas.

Ficou conhecido assim por opção própria.

Quando chegou a Manaus, há mais de 20 anos, foi submetido a um bullyng para escolher um apelido: Aberração da Natureza ou Pokémon.

Não contou conversa. Em troca de trabalho, optou pelo nome do desenho animado da época.

Contudo, à noite, de uma igreja evangélica, ele ouviu o pastor falar:

“Não deixem seus filhos assistir a esse Pokémon. Ele é a imagem do demônio”.

Já era tarde. O batismo já havia acontecido.

O Jander veio ontem em casa. Estava na companhia do Petro Velho.

Deu o recado e voltou. Mas esperou ser citado no diário de sábado, o que não aconteceu.

Fiquei sabendo que ele perdeu uma aposta.

 

Um sonho sombrio

São 7h

Meu planejamento para a manhã deste domingo era pegar a bicicleta e pedalar por perto de casa.

Mudei de ideia para contar o sonho que tive hoje e como me senti depois.

Ontem, por volta das 22h, depois de publicar o capítulo 8º deste diário, cochilei e dormi mais ou menos uma hora.

Depois, demorei a pegar no sono de novo.

Precisei assistir ao Serginho Groisman e umas lutas velhas de MMA, na Band.

Consegui dormir na virada do dia.

Mas acordei logo depois, assustado com um sonho.

Acho que foi o sonho mais rápido e também mais assustador da minha vida.

Imagino ter sido apenas um flash.

Do sonho, lembro apenas três breves atos.

Um, eu estava dentro de casa me protegendo do novo coronavírus; no outro, alguém me chama da rua; e no terceiro me vejo abrindo a porta e, apesar de ser dia, encontro o céu escurecido, cinzento.

Não vi ninguém. Apenas a silhueta do jambeiro da frente de casa contornado por aquele estado sombrio.

Voltei a dormi, mas me acordei outras vezes tentando entender se meu sonho reproduzia a realidade do momento ou queria me dizer o que está por vir.

 

A visão clara do apóstolo

Todavia, essa inquietação era aliviada por uma fala do apóstolo Rai.

O Rai é meu vizinho. É líder de uma igreja evangélica que se reúne no fundo do quintal da casa dele.

O apóstolo, como gosta de ser chamado, é querido aqui por perto.

Há 20 anos, quando cheguei para essas bandas da cidade, havia um clima hostil de membros de sua igreja com o terreiro de umbanda da Mãe Emília, na frente de casa.

Testemunhei alguns confrontos entre evangélicos e os filhos da umbanda.

O Rai não concordava com a briga, porém não se expunha.

Mas agiu de uma maneira surpreendente.

Criou celebrações ecumênicas, chamando não só os filhos do terreiro da Mãe Emília, mas todos, indistintamente.

E desde então cessaram-se as guerras santas na vizinhança.

Pois bem: o apóstolo diz que tem o dom da visão.

Nas eleições, ele costuma falar com brevidade: “Olha, eu já vi. Fulano vai ganhar”. E tem acontecido.

Quando fiquei desempregado, logo no começo do BNC, ele me chamou, apontou o dedo para o céu e disse: “Agora, o senhor vai prosperar”.

Pois bem.

Ontem, quando apareci num portãozinho que dá de frente para sobrado dele, o pastor me falou: “O céu está ficando claro. Vai passar logo”.

 

*O autor é jornalista e diretor-presidente do BNC Amazonas