Protestantismo, capitalismo e música ocidental
Max Weber reconhece a sensibilidade musical altamente desenvolvida em diversas culturas, algumas vezes superando a do Ocidente

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 28/10/2023 às 00:02 | Atualizado em: 28/10/2023 às 05:41
No texto “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, o sociólogo alemão Max Weber analisa a relação entre a ética protestante, especialmente a calvinista, e o desenvolvimento do capitalismo. Ele se interessava em compreender a relação que existia entre o protestantismo calvinista e a conduta econômica capitalista.
De acordo com o sociólogo, a doutrina calvinista da predestinação e salvação pela graça divina criou uma ética voltada para o trabalho e para a busca da excelência. Para os calvinistas, a salvação poderia ser evidenciada pelo sucesso material aqui na Terra. Neste sentido, era dever deles trabalhar arduamente, ter uma vida piedosa e economizar dinheiro para investir em seus negócios.
Após extenso trabalho de comparação das diversas manifestações culturais, econômicas, sociais, políticas e religiosas entre Ocidente e Oriente, Weber reconhece que processos de racionalização existiram em todas as culturas. Todavia, ele percebeu que havia uma “peculiaridade no racionalismo ocidental” que estava diretamente ligada à ética protestante calvinista.
Entretanto, Weber não afirma categoricamente que a religião (ou a ética luterana, por exemplo) foi a única causa do desenvolvimento do capitalismo. Mas ele sugere que esta ética, provavelmente, “foi a força motriz mais influente na formação do que ele chamou de ‘o espírito do capitalismo’”.
Na introdução do livro, Weber faz uma série de indagações acerca do porquê de determinados fenômenos sociais e culturais com características universais terem se desenvolvido apenas no Ocidente, sendo que existiam em outras sociedades, como a medicina, o direito, a arquitetura, a filosofia, a música, o ensino universitário e outros.
No que tange à esfera da música, Weber reconhece a sensibilidade musical altamente desenvolvida em diversas culturas, algumas vezes superando a do Ocidente em certos aspectos. Segundo ele, “a música polifônica era difundida globalmente, com uma variedade de instrumentos e vozes trabalhando em conjunto, abrangendo interações tonais conhecidas e calculadas”.
Entretanto, ele destaca que “certas características musicais como a harmonia racional, o contraponto, a harmonia baseada em tríades e a notação ocidental, juntamente com a orquestra, o acompanhamento de graves, a notação musical e gêneros musicais como sonatas, sinfonias e óperas, são exclusivas do Ocidente.
Ele também menciona que, “embora elementos descritivos, poesia tonal e elementos cromáticos tenham sido usados em várias tradições musicais, as características mais complexassão específicas do contexto musical ocidental”. Além disso, instrumentos fundamentais, como órgão, piano e violino, são ícones da música ocidental.
Pode-se deduzir, a partir da análise feita por Weber, que a diferença no desenvolvimento da arte musical ocidental em relação às de outras partes do mundo se deu por conta dos processos racionais de elaboração, de matematização e métrica. Enfim, devido às singularidades e especificidades próprias do desenvolvimento do capitalismo no Ocidente.
Conforme sua análise, o Ocidente testemunhou, na era moderna, um tipo de capitalismo totalmente novo e sem precedentes, que ele chama de “organização capitalistaracional”. Esse processo não foi determinado, mas foi amplamente influenciado pela ética protestante calvinista.
Neste âmbito, a música ocidental moderna, caracterizada pela sua racionalidade, que já havia sido em parte sistematizada na Grécia Antiga, avançou significativamente com o advento do capitalismo.
A arte musical transformou-se em mercadoria de alto valor, criando um segmento específico definido pelos sociólogos Theodor Adorno e Max Horkheimer como “industrial cultural”. Mas este já é um assunto para outro texto.
*Sociólogo
Arte: Gilmal