Prometo, cumprir é outra coisa
Estamos em época de campanha política municipal, e as promessas tanto de prefeitos ou de vereadores são das mais notáveis às mais esdrúxulas possíveis

Ferreira Gabriel, por Flávio Lauria*
Publicado em: 19/07/2024 às 09:18 | Atualizado em: 19/07/2024 às 09:18
Já no meio do sétimo mês do ano, mantenho uma longa conversa comigo mesmo que serve de exercício para mutações.
Nunca é demais o ato de meditar, como também nunca é demais o ato de escrever.
O papel acolhe a palavra que pronuncio, congelando-a em um pacto de tempo indefinido.
Hoje me exponho, amanhã releio o velho escrito que poderá não fazer mais sentido, pouco importa em que época o tenha explicitado, as letras penhoram um momento vivido.
Assim, vou rabiscando traços de mim em folhas em branco, traços e juras.
Estamos em época de campanha política municipal, e as promessas tanto de prefeitos ou de vereadores são das mais notáveis às mais esdrúxulas possíveis.
Recebo, no meu celular, pedidos de votos e de programas não só irreais, como se eu fosse um idiota, igual aos que me mandam pedidos.
O leitor pode achar que é radical a proposta, mas se analisarmos profundamente a política, tomada em significado de governo, direção e administração do poder público, sob a forma do estado, faliu, tornou-se sem sentido, não funciona mais.
No Brasil e no mundo.
O bem comum embutido na palavra logrou o fracasso.
O homem não aprende muito com a história. Todos os regimes políticos tornaram-se arremedos de sua invenção grega original.
Uma falácia em nome da isonomia democrática, da tal politika praticada por homens sem ética, res pública em causa própria.
O estado de miséria decorre das políticas públicas; os políticos alimentam-se de pobres. O poder que emana do povo é contra o povo: com a classe política, nenhum problema é resolvido.
A sacralização dos políticos resulta de sua contraditariedade: elege-se político para nada.
Pela Constituição, os políticos são legisladores. Nenhuma lei, porém, se lhes corta privilégios.
A esperteza do que hoje resolvemos chamar de empreendedorismo chega à ganância, que, pelos caminhos tortuosos do sistema financeiro, dilapida o patrimônio do povo, com total desfaçatez.
Parece que temos em mãos – e assim espero – uma crise sem precedentes em nossas estruturas republicanas.
Certamente, essa impressão de que “não sobra ninguém para contar a história”, tal a amplitude da corrupção, não é verdadeira.
Ainda há em nossas elites uma massa crítica de pessoas de bem, em que pese seu proverbial imobilismo, porque o status quo lhes é benéfico. Mas, talvez para não perder os dedos, cedam os anéis e se movimentem, ao lado do povo, para fazer os expurgos de limpeza do terreno e iniciem as necessárias reformas estruturais.
Ao longo dos séculos, política deixou de ser um valor e de ter um sentido para a vida humana.
Desde a Idade do Ouro, quando os homens começaram a se organizar socialmente, à pós-modernidade, a política é responsável pelo fato de a humanidade ser infeliz.
Em nome da lei, do Estado ou de Deus, tudo é permitido e permissivo.
A política é um castigo como o mito de Prometeu.
Ela opõe-se por conveniência a todos os conceitos de decência, seja pela injustiça comunitária, pelo lastro irrefutável da corrupção, ou em oposição à virtude oriunda da themis – lei divina incidente no universo, a physis, a ordem do mundo, ou nomos e a dike – justiça entre os homens e as coisas.
O caos é político. A crise é política. A esculhambação é política.
Todo corpo de leis reconhecido tem origem política, portanto, não funciona.
A política é um presente grego. A política, além de corromper, mente, rouba, deturpa, mata e nunca, mas nunca mesmo muda para melhor a situação social e econômica.
Qual a razão de terem tantos candidatos a vereador? E a briga para ou permanecer no poder executivo ou ser prefeito pela primeira vez?
As promessas são esquecidas logo que são eleitos, cumpri-las é tarefa quase impossível.
É razoável questionar por que então manter-se a classe política? E se a classe política desse um tempo? Deixasse de existir por pelo menos uma década e permitisse à sociedade se organizar em torno de um novo paradigma que não tivesse o vírus da política nem dos políticos? Quem pode afirmar que não, se nada foi tentado?
E se os políticos não fossem mais escolhidos pelo voto, mas pelo veto e durante o (longo, espera-se) período de hibernação, lhes fosse imposta uma radical reciclagem que incluísse o fim de todos os seus privilégios, como salários altos, imunidade parlamentar, nepotismo, pagamento de despesas extras?
O mundo, o Brasil está a exigir um novo modelo político.
O que acontece atualmente no país, ainda que haja precedentes planetários, é indigno, mas tem de servir para promover mudanças.
*O autor é mestre e doutor em administração pública.
Foto: Thiago Fagundes/Agência Câmara