Primeira noite evidencia efeito Isabelle sobre Garantido e Caprichoso

Garantido abriu sua apresentação com Vermelho, toada nacionalmente conhecida. E usou a fama de Isabelle a seu favor

Mariane Veiga

Publicado em: 29/06/2024 às 16:25 | Atualizado em: 29/06/2024 às 16:33

A primeira noite de apresentações evidencia o efeito Isabelle sobre Garantido e Caprichoso. 

O boi bumbá Caprichoso abriu o 57º Festival Folclórico de Parintins. Visivelmente, se empenhou em equilibrar o prestígio nacional da cunhã poranga encarnada. 

Após a aparição de Marcielle Munduruku, o espetáculo trouxe para arena o seu engajamento no movimento de mulheres indígenas. Nele, Marcielle tem uma notável atuação. Ela se utiliza sua visibilidade como cunhã poranga do Caprichoso para promover e divulgar artistas indígenas em eventos e redes sociais.  

O modo encontrado para contar isso aos jurados foi trazendo para a arena vários ícones nacionalmente conhecidos do movimento de mulheres indígenas, como Samila Sateré e Alessandra Munduruku. 

Wanda Witoto que protagonizou a luta de povos indígenas da cidade de Manaus por atendimento diferenciado de saúde durante a pandemia de Covid-19 também foi chamada a falar. 

Djuena Tikuna, cantora de maior projeção dentro e fora do movimento indígena executou uma canção no bumbódromo, um feito inédito que, aparentemente, passou batido. 

A própria Marcielle Munduruku dançou e cantou uma conhecida canção das Suraras do Tapajós. 

O grupo musical de mulheres indígenas do oeste do Pará foi o único convidado do norte para participar do palco Brasil do rock in Rio. 

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Contudo, tamanho empenho terminou pausando o seu espetáculo vários momentos seguidos, inclusive a sua marujada de guerra.

Além delas, desfilaram na arena Davi Kopenawa e Angela Mendes, ativista filha de Chico Mendes. 

Tal situação parece querer comover os jurados. Contudo, o mundo do movimento indígena brasileiro não é grande, infelizmente. 

Nele, sabe-se quem são seus apoiadores. Não haveria necessidade de lançar mãos de tantas cartas, se não fosse o fato de Isabelle, nesse ano, contar com projeção nacional.

Ao contrário, o ritual indígena Motokari foi um exemplo de medida certa e mensagem clara. 

A história do motivo pelo qual Davi se chama Kopenawa é contada por ele em A queda do céu, livro de sua autoria com o antropólogo Bruce Albert. 

A obra possui ampla circulação no mundo, em especial no acadêmico das humanidades e entre apoiadores do movimento indígena. 

Em resumo, um grupo de garimpeiros atacou a aldeia Yanomami Hachimu em 1990. Davi, que na época era tradutor da FUNAI, ao ver seus parentes mortos na batalha contra garimpeiros se enfureceu visceralmente. 

Os que lhes acompanhavam passaram a lhe chamar Kopenawa cuja tradução seria caba enfurecida. 

O pajé Erick Beltrão se trasmutou em caba. A transmutação é uma categoria própria do boi bumbá de Parintins que define as transformações de fantasias.

Outro exemplo de medida certa é o cortejo negro que acompanha o boi Caprichoso. No fim, levantaram os punhos, símbolo universal da luta pelos direitos dos negros.

 

O boi bumbá Garantido  

O boi bumbá Garantido abriu sua apresentação com Vermelho, toada nacionalmente conhecida. E usou a fama de Isabelle a seu favor. 

A cunhã poranga vermelha dançou a toada Isa, a bela, de Paulinho Du Sagrado, que tocava para ela dançar no reality show da rede globo. 

E, não podia ser diferente, a galera vermelha e branca e os brincantes na arena foram ao êxtase. 

Contudo, lamenta-se que a fantasia elaborada para a sua transmutaçãoa tenha atrapalhado a sua evolução. 

Ao ver seu contrário trabalhar uma proposta da africanização, o boi bumbá Garantido foi no sentido oposto. Assim, iniciou sua apresentação trazendo a Dona Xanda, mãe de Lindolfo, o fundador, como matriarca negra da Baixa.   

Um detalhe é que as teorias dos movimentos negros da Amazônia vão em sentido oposto ao da africanização. Ao menos, esse não é um ponto pacífico nessa seara. 

Assim, especialmente os intelectuais negros do Pará e do Maranhão, pensam a presença negra na Amazônia com os povos indígenas. Assim, fala-se em afroamazônia ou Amazônia afro-indígena. 

Assim, ao centralizar sua narrativa em Dona Xanda, como matriarca do que hoje é Baixa, o boi faz uma leitura afroamazonica. Contudo, o faz de modo intuitivo. 

Pois o discurso sobre isso na arena ainda é o da miscigenação, uma teoria ultrapassada nas ciências sociais. 

Dona Xanda se transmutou em rainha do folclore, apresentada como matriarca afro-indígena da Baixa.

Outro ponto alto da apresentação do Garantido foi a entrada de sua sinhazinha com o corpo de dança Gandhicast. 

Pesou para o boi Garantido algumas toadas que não incendiaram a galera como esperado. O bumbá também teve problemas com alegorias, como um pequeno incêndio e a quebra de um módulo na entrada do bumbódromo.

Fotos: divulgação