Por que o Caprichoso é azul?

No início das brincadeiras folclóricas em Parintins, todas as bandas de percussão que as acompanhavam se chamavam batucada

Mariane Veiga, por Dassuem Nogueira

Publicado em: 21/06/2024 às 20:06 | Atualizado em: 21/06/2024 às 20:34

O azul do boi-bumbá Caprichoso está diretamente relacionado com a história de sua Marujada de Guerra.

No início das brincadeiras folclóricas em Parintins, todas as bandas de percussão que as acompanhavam se chamavam batucada.

Batuque é uma palavra de origem bantu usada para se referir ao bater dos tambores das festas e cerimônias religiosas.

Assim, as batucadas parintinenses são um saber fazer que chegou à ilha por meio dos negros das senzalas e dos quilombos.

No início do século, mestre Marçal e seu amor, a negra Filomena, batucaram para o pássaro tucano.

Essa teria sido a primeira brincadeira da cidade.

Dona Filomena tinha memória do maracatu, da dança de Xangô e do jogo-de-pena das senzalas de Cametá, no Pará, onde viveu com seus pais escravizados.

Na década de 40, a batucada do boi Caprichoso passou a se chamar Marujada de Guerra em uma referência aos marinheiros que aportavam em Parintins e que usavam vestes azuis e brancas.

Contam os antigos que alguns deles tocavam fardados na marujada ao lado de parintinenses que serviam à Marinha.

Converge para a referência ao azul e branco a dança dos marujos.

Esta se realizava na região de Parintins como parte dos festejos de São Benedito.

As turmas de brincantes circulavam entre as festas, tal como acontece hoje.

Boi Caprichoso era convidado para participar de festejos de outros lugares, assim como outras brincadeiras vinham para Parintins, proporcionando o intercâmbio entre elas.

A primeira toada que faz referência à Marujada de Guerra seria “Os pirilampos”, de 1946.

Nela, seu compositor Raimundinho Dutra, neto de mestre Marçal e Filomena, canta:

“Morena vem ver
Boi Caprichoso brincar
Vem ver, vem ver
Nossa turma abafar.

“Os pirilampos
Iluminando a vaqueira
A Lua no céu
Saudando a Marujada”.

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Tradição Caprichoso

A estrela na testa

O registro mais antigo da estrela na testa do boi Caprichoso é da década de 50.

Na fotografia (em destaque nesta publicação) é possível identificar Zeca Xibelão (de cocar) com suas irmãs e dona Rai, professora do colégio do Carmo.

Zeca Xibelão, que hoje dá nome ao curral, brincava de tuxaua no Caprichoso. Ele marcou a história do festival por confeccionar cocares de exultante beleza e ter um bailado inesquecível.

Naquela época, um dos donos do Caprichoso, Pedro Cid o confeccionava com uma carcaça de cabeça de boi e fazia a estrutura do corpo com cipó. O revestimento era feito com tecido preto.

Nelcina Cid, sua filha, era quem bordava a estrela na testa do boi Caprichoso.

Já nos registros das apresentações no bumbódromo, a partir de 1988, a estrela aparece no lombo do boi.

Em 1997, o então presidente da agremiação Simão Assayag a recolocou na testa do Caprichoso.

A estrela muda de cor de acordo com a proposta do ano para o festival. Ela já foi azul, prata e led.
Não há registros documentais ou orais do motivo da escolha da estrela como símbolo. Mas, é possível supor que também seja alusiva à Marujada de Guerra.

Afinal, os marujos se orientam pelas estrelas.

*A autora é antropóloga.

Foto: reprodução/acervo Caprichoso