Silves e Itapiranga temem virar “cidades-fantasmas” com interdição da Funai e MPF
Populações locais, comerciantes e autoridades preveem caos, isolamento, desemprego em massa e volta da pobreza. Carta pública de repúdio será lançada

Antonio Paulo, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 29/11/2024 às 06:00 | Atualizado em: 29/11/2024 às 12:06
O medo de ver sua cidade interditada e toda a área no entorno toma conta da população de Silves, no Amazonas. Esse temor vem da possibilidade de paralização das atividades econômicas, pela exploração do gás no Complexo do Azulão, da Eneva, um investimento de R$ 6 bilhões.
Por conta disso, trabalhadores, comerciantes, estudantes, pais e mães de famílias estão fazendo um apelo público ao prefeito, vereadores, ao governador do Amazonas, deputados estaduais, federais, senadores e até ao presidente da República:
Que essas autoridades não permitam o Ministério Público Federal (MPF), a Funai e as organizações não governamentais (ong) fazer a interdição de Silves e Itapiranga, assim como das rodovias AM-330 e AM-363, que passam nos dois municípios.
Tal interdição, que deverá ser por meio de uma portaria de restrição de uso, foi proposta por três procuradores da República. Eles alegam a presença de supostos indígenas isolados na região do Igarapé do Caribi, entre Silves e Itapiranga.
A conclusão do MPF se dá a partir de relatos de ongs, contrárias à exploração de gás em Silves. Além disso, há uma fotografia feita por um membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 2023.
No entanto, o perito forense Allan Reis, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) e presidente nacional da Comissão de Perícias forenses da OAB, fez análise da foto do indígena isolado de Silves e concluiu:
“É possível afirmar que a imagem analisada não se mostra autêntica, apresentando indícios de manipulações que sugerem possíveis adulterações tais como: montagens, adições e supressões”.
Por sua vez, a Funai fez uma expedição de reconhecimento e localização, entre os meses de março e abril de 2024, e não constatou a presença de povos isolados. Encontrou apenas um artefato atribuído aos indígenas. Daí, dizer que tem “alta probabilidade” de existirem esses povos na região.
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Impactos à vista
Não somente a população de Silves, mas suas autoridades locais, a todo momento, falam dos impactos que atingirão o município.
Os termos usados pelos moradores, prefeito e vereadores da cidade refletem a preocupação com o que virá, em caso de interdição e fechamento da área de exploração de gás.
Fala-se de caos, perseguição, fim dos sonhos, desemprego em massa, desativação dos equipamentos da saúde, educação, volta da pobreza e do isolamento das famílias por falta de acesso.
Além disso, o abastecimento de energia elétrica de Roraima deverá ser severamente comprometido. Isso porque 70% da energia do estado, que não é interligado ao sistema integrado nacional, é gerado pela usina térmica Jaguatirica II com o gás natural da região de Silves. Com a interdição da exploração de gás, Roraima deve ficar às escuras.
Preocupações e angústias
Todas essas preocupações e angústias puderam ser constatadas na sessão plenária da Câmara Municipal de Silves, realizada no último dia 25 de novembro. A ameaça de interdição dos municípios, por parte do MPF e Funai, foi o principal assunto da reunião.
“Estão querendo prejudicar nosso município, tanto Silves como Itapiranga, e um Estado inteiro também. Vocês já pensaram, essa massa de funcionários, que está trabalhando na Eneva, ficar desempregada? Hoje, nós estamos tendo oportunidade de emprego e renda, e os municípios de Itapiranga e Silves estão crescendo porque estão tendo essas obras no município. Assim esse investimento, que é tão importante para a empresa e para todos nós”, disse o presidente da Câmara Municipal, vereador Thomaz Silva.
Isolamento
Do mesmo modo, o vereador Luís Carlos China (PSDB) ressaltou que, em caso de interdição, pela Funai, toda extensão da estrada da várzea será bloqueada e os moradores de sua margem serão despejados.
“Se, porventura, o Ministério Público Federal entender que Silves tem que ser isolada, serão milhares de famílias que ficarão totalmente isoladas e prejudicadas dentro deste estado. Assim como, se as empresas pararem de trabalhar aqui, milhares de trabalhadores irão para rua e milhares de famílias serão atingidas diretamente sem ganho, sem dinheiro. Isso virará um caos”, disse o vereador China.
Ainda eu seu discurso, o vereador tucano disse que não somente Silves e Itapiranga serão prejudicados com a medida. Citou também os municípios vizinhos de São Sebastião do Uatumã e Urucará. Juntas, essas quatro cidades amazonenses somam cerca de 60 mil habitantes.
Fora da realidade
Já a vereadora Lia Elma (Republicanos) criticou as decisões que poderão ser tomadas em Brasília, enquanto essas autoridades desconhecem a realidade das populações de Silves e Itapiranga.
“Eu acho muito fácil alguém chegar lá em Brasília, fazer uma denúncia. E como essas pessoas, sem conhecer o nosso território, a nossa realidade, aceitam uma situação dessa, que venha prejudicar um povo inteiro? Espero que isso não aconteça porque vamos sofrer um impacto econômico e social muito grande”, discursou a vereadora.
Reação da Câmara
Ao final da sessão legislativa, os vereadores da Câmara Municipal de Silves prometeram “arregaçar as mangas” para defender o povo e seu território da ameaça de interdição.
“Nós não podemos ficar de braços cruzados. Por isso, quero convocar os vereadores, o prefeito Paulino Grana para tomarmos alguma iniciativa. Temos que fazer alguma ação, junto com Executivo, e buscar um meio de denunciar essas pessoas que estão por trás dessas ameaças”, convocou o presidente Thomaz Silva.
A Câmara Municipal de Silves já está preparando uma moção de repúdio contra a possível interdição do empreendimento do complexo do Azulão, da Eneva, e de toda a área onde podem estar os indígenas isolados avistados pela ong CPT.

Mobilização
O prefeito de Silves, Paulino Grana (Republicanos), reiterou a proposta do presidente da Câmara, Thomaz Silva, de “arregaçar as mangas” contra as ameaças do MPF e Funai.
Informou que os poderes Executivo e Legislativo do município vão fazer um apelo, por meio de carta aberta à Funai, pedindo que reveja a posição de publicar portaria de restrição de uso na região de Silves.
“Porque se isso ocorrer, haverá um verdadeiro caos econômico e social”, disse o prefeito ao BNC.
Filho de Silves, aos 56 anos, o prefeito Paulino Grana também desconhece a existência de povo indígena isolado. Lembrou que a Mil Madeiras Preciosas está há mais de 40 anos no município, conhece a floresta como ninguém e nunca ouviu falar de indígenas isolados na região
Desemprego em massa
Segundo o chefe do Executivo, o fechamento dos empreendimentos econômicos de Silves e a interdição de áreas do município serão catastróficos.
Ele reiterou que haverá desemprego em massa. São cerca de 1.500 trabalhadores diretos, empregados no complexo do Azulão, na exploração de gás.
Além disso, a população também sofrerá as consequências da interdição porque sem os impostos das empresas lá instaladas, a arrecadação do município vai despencar.
Aumento da arrecadação
Hoje, a prefeitura de Silves tem uma arrecadação mensal de cerca de R$ 2,2 milhões, advindos dos royalties do gás (R$ 700 mil), ICMS (R$ 800 mil), ISS (R$ 500 mil) e FPM (R$ 200 mil).
O prefeito diz ainda, por conta do novo ambiente econômico que o município vem tendo nos últimos três anos, aumentou a demanda de hotéis, restaurantes, consumo de alimentos. Daí o aquecimento da economia municipal.
Saúde e educação
Paulino Grana destaca ainda os investimentos em saúde como a nova policlínica do município, a mais bem equipada do interior do Amazonas.
A policlínica atende especialidades como cardiologia, oftalmologia, gastroenterologia, ginecologia, fonoaudiologia, fisioterapia e outras. No último ano, a policlínica fez 6 mil atendimentos, cerca de 500 por mês.
A inauguração de uma escola técnica, em Silves, totalmente reformada pela Eneva e doada ao Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam), é a mais recente dessas iniciativas.
Trata-se da primeira unidade de ensino em tempo integral do Amazonas, cujo objetivo é aprimorar a qualificação profissional e aumentar a empregabilidade na região.
Inicialmente, são 90 alunos aprovados em concurso, em maio deste ano, que recebem bolsa-auxílio de R$ 1.300 por mês durante o período de duração dos cursos técnicos de Gás e Energia, Agropecuária e Eletromecânica.
O projeto recebeu mais de R$ 10 milhões da Eneva e já está atraindo outras empresas interessadas em patrocinar cursos adicionais, que ainda serão oferecidos na unidade.
Mão de obra local
De acordo com a Eneva, a escola técnica reforçará a contratação de mão de obra local. Atualmente, 60% dos colaboradores que trabalham nas obras do Complexo Azulão 950 são do estado do Amazonas.
“Todos esses empreendimentos, investimentos e ações em execução em Silves vão por água abaixo, caso essa interdição pela Funai ocorra”, lamentou o prefeito Paulino Grana.
Reflexos em Itapiranga
Quem também sofrerá os impactos sociais e econômicos, com a provável interdição dos empreendimentos e saída das empresas, é o vizinho de Silves, o município de Itapiranga.
Lá, ainda não tem exploração de gás, mas a cidade e sua população são impactadas diretamente pela atividade.
De acordo com o secretário de administração de Itapiranga, Fábio Viana, nos últimos três anos, houve um salto gigantesco no comércio. O dia a dia das pessoas mudou e a pacata cidade do interior se transformou do dia para a noite.
Houve crescimento do comércio, restaurantes agora são lotados e um café, que era apenas uma banca de rua, hoje, virou um grande empreendimento.
Pela movimentação das pessoas, que trabalham em Silves e dormem em Itapiranga, não há vagas nos hotéis da cidade. Por conta disso, está sendo construído um novo hotel, que deverá ser a maior do interior do Estado. Contam ainda os alojamentos construídos especialmente para a “população flutuante”.
Atualmente, Itapiranga tem uma população “nativa” de 10.189 habitantes, segundo dados do IBGE de 2022. Há, no entanto, mais 4 mil pessoas da chamada “população flutuante”, os trabalhadores de fora do município.

Empregos e arrecadação
De acordo com Fábio Viana, os empregos também cresceram na mesma proporção do crescimento econômico, pelo “boom” do gás de Silves.
Dessa forma, a mão de obra empregada diretamente é de 1.500 trabalhadores, somente de Itapiranga. Somados os 3.500 empregos indiretos, da população flutuante, de fora do município, chega-se ao total de 5 mil pessoas em atividade.
Já, a arrecadação municipal também deu outro salto significativo. Embora, não receba royalties do gás de Silves, a receita de Itapiranga fica em torno de R$ 1,4 milhão por mês, entre FPM (fundo de participação dos municípios), ISS e ICMS.
“Se houver mesmo a interdição dos empreendimentos, o que se terá é uma cidade-fantasma no meio da floresta amazônica. Daí, nossa grande preocupação porque Itapiranga voltará à dependência logística e econômica”, frisou o secretário Fábio Viana.
Sem maquiagem
O presidente da Comissão de Geodiversidade, Recursos Hídricos, Minas, Gás, Energia e Saneamento, da Assembleia Legislativa do Amazonas, deputado Sinésio Campos (PT), também se pronunciou sobre a ameaça de interdição em Silves e Itapiranga.
“Na paralisação desse grande projeto, haverá impactos na área da educação, como o projeto Cetam/Eneva, na geração de emprego e renda da população desses municípios. O projeto do Complexo do Azulão, da Eneva, é real, não é somente aquele que vem maquiar como muitas fábricas do polo industrial de Manaus”.
E prosseguiu:
E tem outro ingrediente. O gás do Amazonas também atende Roraima. Sem esse abastecimento das térmicas daquele estado, em três dias haverá um apagão em Roraima. Ou seja, a gente fala em integrar a Amazônia, mas há quem queira deixar de levar o gás tão necessário ao estado vizinho”, complementou Sinésio Campos.
Lei do gás
O deputado estadual declarou ainda que a exploração do gás, em Silves, Itapiranga e em outros municípios do Amazonas, só é possível por conta da mudança na legislação.
“Empreendimentos, como esse (Complexo do Azulão/Eneva), só são possíveis graças à quebra do monopólio do gás natural, resultado de uma lei aprovada, na Assembleia Legislativa, em 2021, em que fui o relator. Assim, a quebra desse monopólio permitiu a realização de investimentos privados para a exploração do gás natural no Amazonas, o que tem contribuído para o desenvolvimento econômico local”, declarou Campos.
Por fim, o deputado assegurou que, como presidente da Comissão de Minas, Gás e Energia da ALE-AM, está acompanhando todo esse processo e, que seu papel é garantir o aproveitamento das riquezas minerais de forma ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável.
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Fotos: Divulgação
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