‘Políticos do AM vivem da herança do populismo’, diz Aloysio Nogueira
Conforme o professor, líderes carismáticos como eram Ramos Coelho e Gilberto Mestrinho fizeram escola política no Amazonas. Confira na entrevista

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 18/08/2025 às 04:30 | Atualizado em: 18/08/2025 às 05:14
O professor emérito da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Aloysio Nogueira de Melo, 83 anos, disse, em entrevista ao BNC, que o Amazonas ainda vive o populismo herdado dos governantes do passado, cujos ícones são Plinio Ramos Coelho e Gilberto Mestrinho.
Entre as inúmeras características do populismo, está centralidade de um líder carismático, assim como eram Ramos Coelho e Mestrinho, que fizeram escola política no Amazonas.
Aloysio Nogueira, professor de história, mantém-se um militante político de esquerda. Ele combateu a ditadura militar (1964-1980), e é um dos fundadores de primeira linha do Partido dos Trabalhadores (PT) amazonense. Além disso, fundou também a Associação dos Docentes da Universidade do Amazonas (ADUA) e o Sindicato Profissional dos Professores de Manaus (APPM), que hoje é o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (Sinteam).
Aloysio ainda esteve vereador de Manaus (1993-1996) pelo PT. Atualmente, milita no Psol, partido do qual é fundador no Amazonas.
Magistério
A Ufam o consagrou com o título de Professor Emérito, em razão da sua “trajetória de 42 anos de dedicação de docente ao ensino, à pesquisa e à luta pela educação pública no Amazonas”.
“Enquanto estive como professor da rede estadual, fiz de tudo para que os professores tivessem uma organização política”,
acentuou.
Na Câmara Municipal, ele agiu para que a prefeitura adotasse um orçamento com atendimento de demandas apontadas pela própria sociedade, mas foi derrotado por falta de força política.
Aloysio Nogueira é hoje um conselheiro imprescindível para as novas gerações de políticos de esquerda, porque é um intelectual de ação e observador atento da atualidade.
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Confira a entrevista:
BNC Amazonas – O que foi que a sociedade fez no passado, em termos de construção política, para estar colhendo o que colhe hoje?
AN – Ótima pergunta. Para isso, precisamos verificar o que ocorreu no Amazonas a partir, diria, há uns 30 anos atrás. A política no Amazonas, por muito tempo, envolveu grupos específicos da sociedade brasileira.

Teve uma época que o governo do Amazonas estava muito envolvido com o populismo. E isso vem durante muitos anos. Lembro-me muito bem do governo de Plínio Coelho (1955- 1959 e 1963- 1964), que era um governo populista, um governo que estava ligado a certos movimentos sociais, à época, inclusive, ligados à Casa do Trabalhador, aquela que ficava no Centro da cidade, e por muitos anos [eles] dominaram. Passou o Plínio Ramos Coelho (1920-2001), entra um dos seus descendentes políticos, que foi o governador Gilberto Mestrinho (1928-2009).
Mestrinho teve também um grupo de políticos que esteve ao lado dele por muito tempo e que tinha uma certa condição de dominar a sociedade do ponto de vista dessa política populista. Apresentava que estaria atendendo os interesses da sociedade, mas na realidade não estava.
Para isso, podemos enumerar a maneira como nós e outros trabalhadores da educação vimos isso e como começamos a trabalhar para mudar essa política, sobretudo, ao trabalho que existia em relação à educação no Amazonas. Esse foi o grande início. Eu posso continuar?
BNC Amazonas – …Pode, mas só queria acrescentar mais uma questão. Você acha que essa política populista […] reflete hoje no que estamos vivendo em termos de continuidade?
AN – Sem dúvida nenhuma. Ela ainda é, em certos setores, muito presente. Tanto é que esses setores atuais sequer procuram verificar o que ocorreu anteriormente e continuam dominando.
BNC Amazonas – O professor Otavio Ianni (1926-2004) dizia que a história também pode retroceder. Você acha que estamos num momento de retrocesso da história em termos de civilização?
AN – Não, não é um retrocesso. Mas é um processo que dá continuidade a elementos que procuram uma dominação na sociedade civil.

Então é preciso romper com essa dominação. E que não é somente local. Ela é nacional e internacional. Veja o que está acontecendo hoje no mundo com a política de um novo presidente dos Estados Unidos, o qual não quer apenas dominar uma sociedade democrática, que era a sociedade dos Estados Unidos, como interferir em sociedades democrática como Brasil, México, Venezuela (com todos os problemas que pode ter lá) e outros países. Daí, hoje está um conflito em relação a isso. Tanto é que é preciso hoje ter maior atenção com a Rússia – que a antiga União Soviética se modificou também –, com a Europa …
BNC Amazonas –Você acha que o Brasil está ocupando um lugar estratégico nessa discussão? Ele tem influência?
AN – Atualmente tem. A política do Lula, que conheço muito bem, que nós nos tornamos amigos, inclusive, a partir dos anos de 1979. Inclusive, esteve várias vezes à época em Manaus, na minha casa.
Então, desde aquele momento até hoje, tenho uma relação política com o Lula muito extensa.
BNC Amazonas – E você acha que o Brasil está se posicionando estrategicamente e de forma favorável nessa discussão internacional?
AN – Está. Porque o Brasil hoje conta com determinadas organizações em vários estados. Aqui no Amazonas está encontrando apoio, em Belém, enfim, no Rio de Janeiro, São Paulo, sobretudo, no Rio Grande do Sul.
Então, é necessário que se veja esse processo que está realmente sendo tratado com todo o respeito que temos, com uma força política que esteja em movimento.
BNC Amazonas – Voltando para Manaus, como é que você observa hoje a política em termos de ação? Você acha que estamos avançando em algumas coisas?
NA – Olha, primeiro é preciso que hoje as lideranças políticas do Amazonas se voltem mais para a organização dos trabalhadores que estão enfrentando esses problemas. Porque o perigo é que as lideranças políticas hoje se tornem mais interessadas em retomar os seus projetos políticos do que aqueles que podem nascer dos próprios movimentos sociais. Isso é que eu tenho preocupação.

Por exemplo, com os trabalhadores da educação, com os trabalhadores do Distrito Industrial, com os trabalhadores da pesca, enfim, dos vários segmentos de trabalhadores do Amazonas, eles não estão recebendo o devido papel que esses políticos deveriam ter.
BNC Amazonas – Você acha que esses movimentos estão devidamente organizados para fazer frente a essas demandas?
AN – Não estão. Atualmente não estão. É preciso que se retome uma melhor organização de cada desses segmentos para que eles possam construir uma força política que antes eles apresentavam. Não estamos vendo isso hoje. Hoje, concretamente, não estamos ainda encontrando essa força de forma nítida, de forma que possamos dizer: olha, os trabalhadores estão aí reivindicando porque sabem o que querem com clareza, com o objetivo de melhorar as condições de vida da própria sociedade. E está faltando isso. Então, é preciso que isso se modifique.
BNC Amazonas – Mas não seria uma ação também dos partidos, no sentido de se organizarem?
AN – Exatamente. Os partidos existentes, atuais, e os seus dirigentes, eles teriam que ter esse papel que tinham muitos deles antes. Hoje não têm.
Sinceramente, fico preocupado porque os dirigentes que fazem a política geral não estão mais interessados na estrutura concreta dos trabalhadores se organizarem para poder reivindicarem os seus interesses.
BNC Amazonas – Você tem acompanhado as sucessões no poder aqui no Estado do Amazonas, na Prefeitura, que são dois núcleos econômicos, políticos importantes para o Estado. Queria que você fizesse uma avaliação dessas sucessões, desses políticos que assumiram e como é que eles se comportaram em termos de executar um projeto de sociedade.
AN – Primeiro, vamos examinar, vamos dizer … Em Manaus, a questão da política estreita. Quem dirige, por exemplo, a Prefeitura de Manaus e a Câmara – como a Câmara está hoje em dia – eu lamento, lamento tanto na Câmara como na Assembleia. Antes, assistíamos movimento de trabalhadores, ali, naquela praça D. Pedro II, pressionando a Câmara para que tomasse determinadas atividades.
Hoje não assistimos a isso. Antes, trabalhadores compareciam à Assembleia para reivindicar os seus interesses e hoje não acontece isso. Então, os políticos que hoje estão tanto na Assembleia e na Câmara, exceto alguns, não estão interessados em praticar ações que levem realmente a sociedade a se organizar, para que possa convencer tanto à Câmara como à Assembleia a modificar as suas ações.
BNC Amazonas – Aloysio, você acha que a internet com suas redes sociais acabou afetando essa organização dos trabalhadores, sentido de ter melhorado ou de ter piorado. O que você acha disso?
AN – Olha, hoje me preocupo com essa questão da internet. Porque se os trabalhadores ficarem simplesmente assistindo o que se passa naquilo que vem pela internet, colocado por determinados setores da sociedade, ele (trabalhador) vai perder tempo. É preciso que ele vá além disso.
Ver a internet é importante, porque você sabe que o poder está se manifestando por ali. Tanto o poder municipal, estadual e até universal está colocando as suas posições, e mostrando que deveria ser aquilo. Então, pela internet, você vê isso. Mas se ele não for para a rua conversar com os trabalhadores e mostrar que é necessário a transformação, fazer mudanças concretas na sociedade, isso vai continuar.
BNC Amazonas – Você acha que isso afetou principalmente o PT, então? O PT antes tinha comitês e núcleos e bairro ativos. Isso ficou lá para trás.
AN – Exatamente. O Partido dos Trabalhadores nasceu com o objetivo de fazer um trabalho organizativo na sociedade que nós vivemos. Isso mudou. O PT não teve a capacidade, pelo menos, aqui em Manaus, que conheço muito, de fazer um trabalho concreto na sociedade. Tanto é que o PT hoje tem apenas dois vereadores e um deputado estadual. Então, é muito pouco para o tempo que o PT existe, inclusive em Manaus.
BNC Amazonas – Em relação àquilo que a gente chama de esquerda, como é que você vê a posição deste segmento político no estado do Amazonas?
AN – Esquerda é um conceito muito amplo. É preciso verificar realmente quais partidos que podem se organizar como um partido de esquerda. Particularmente, diria que o partido PSOL, Partido Socialista, está com esse interesse, mas ainda há muito trabalho a ser realizado. Temos exemplos que alguns setores estão começando, mas é preciso um trabalho constante, de conscientização, de luta mesmo; apresentar projetos; isso é preciso que seja realizado.

Ainda em relação a essa questão, a história registra, nesse momento, um avanço, uma presença dos partidos de direita, inclusive com a extrema-direita, com voz na sociedade, surpreendentemente, do ponto de vista de ter condição de fazer uma interlocução com parte significativa da sociedade.
BNC Amazonas – Na sua opinião de historiador, por que isso está acontecendo nesse momento?
AN – Olha, neste momento, temos um perigo pela frente, que é o avanço da organização dessa política de direita. A política de direita, sabemos que ela vai no sentido do interesse apenas do capital que, com a sua força, domine os trabalhadores e sua força de trabalho. Os partidos da direita têm esse sentido.
Não é à toa que o bolsonarismo consegue determinados apoios, prometendo uma série de interesses, que na realidade não os faz. Então é preciso que a esquerda se organize melhor nos estados brasileiros, para que isso não possa continuar.
BNC Amazonas – A situação que existe hoje é de pressão para o Bolsonaro ser julgado, né? E há uma tendência que se forma, principalmente nos partidos mais à esquerda, de que ele seja condenado. O que você acha dessa questão?
AN – É o seguinte. Dentro daquilo que esse cidadão construiu e agora está na iminência de ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal é real. Ele vai perder esse processo porque, para o próprio Supremo Tribunal, está muito claro que é preciso que isso seja debelado.
BNC Amazonas – Em relação ao golpe de Estado, que é uma ação ainda aí, né?
AN – Pois é, exatamente. Quer dizer, golpe de Estado, não podemos voltar a esse 1964, jamais. E esse rapaz, Bolsonaro, é fruto dessa concepção. Golpe de Estado no país e um poder total do capital. Entendo que é preciso não permitir que isso aconteça, né?
BNC – Você foi vereador de Manaus pelo PT, que era mais forte em apoio popular. Você tentou implantar alguns projetos que não conseguiu, em razão da correlação de forças. Quais são esses projetos?
AN – Quando fui vereador, entre 1993 e 1996, tentamos construir um orçamento participativo. O que significa isso? O PT, no Rio Grande do Sul, teve esse projeto. O que seria um orçamento participativo? O orçamento do Estado ou do município é organizado por pessoas. Então, no nosso caso do orçamento participativo, é que tanto em Manaus como no Estado, as organizações políticas dos trabalhadores deveriam se organizar e produzir um projeto no sentido de que o orçamento tivesse maior atenção à sua própria sociedade.

Então, vou dar um exemplo aqui. Saímos, aqui em Manaus, nos bairros para ver o que cada um estava precisando. Então, eles se organizavam em várias reuniões, organizavam que queriam mudanças, por exemplo, na Rua X ou na rua Y, na educação, enfim, uma série de coisas em relação ao bairro, e levavam para a prefeitura para que ela colocasse isso no seu orçamento geral.
Então, esse foi o nosso trabalho, o orçamento participativo. Quer dizer, a prefeitura tem um orçamento, mas esse orçamento tem o interesse de atender, especificamente, todas aquelas sociedades, tanto da periferia como do centro da cidade.
BNC Amazonas – Esse projeto foi praticamente barrado. Aliás, foi barrado. Por quê?
AN – Foi barrado por falta de força política. Isso não teve dúvida. Então, a força política do capital, daqueles que se interessavam aqui no Amazonas, tiveram a força política de não realizar esse projeto.
BNC Amazonas – Você foi uma das lideranças importantes na luta no sindicato dos professores do Amazonas e na Associação de Docentes da Universidade do Amazonas (ADUA). Gostaria que você falasse um pouco da Batalha do Igarapé de Manaus, um episódio de repressão ao movimento dos professores.
AN – Isso é um acontecimento que até hoje muitas pessoas ainda falam. Tenho o prazer de falar aqui porque foi um momento, fora outros momentos, que vivemos quando éramos presidente da Associação Profissional dos Professores de Manaus (APPM).
Estávamos no Colégio Amazonense Dom Pedro 2.º, lá na avenida 7 de Setembro, nos organizando para ter uma conversa com o governador do Estado, à época, Gilberto Mestrinho. Recebemos a notícia de que ele não iria nos receber, porque iríamos conversar com ele, para apresentar nossas reivindicações. Então, tivemos a oportunidade, lá no colégio estadual, de receber essa notícia.
Chamei os professores, fizemos uma assembleia e resolvemos ir até lá, no Palácio do Governo, que ficava na avenida 7 de Setembro também, e saímos a pé com os professores e professoras. Quando chegamos na porta do Palácio do Governo, ele deu ordem para a polícia e… por sinal, ele colocou policiais da avenida 7 de Setembro, da avenida Eduardo Ribeiro até a antiga Cadeia Pública. Mas nós fomos. Foi quando a repressão foi forte. Foi violenta. Mas essa repressão, de tanto ser violenta, repercutiu tanto na imprensa como em toda a sociedade brasileira.
E exigiram [a imprensa e a sociedade], com depoimentos de outros políticos que passaram a nos apoiar, que ele nos recebesse. E na realidade, passado esse momento ali, ele nos recebeu e negociamos que ele criasse para os professores do Amazonas um piso salarial, o qual ainda não existia.

Os professores trabalhavam, trabalhavam, trabalhavam e não sabiam qual seria o valor do seu salário. Era necessário ter um piso salarial. Foi a partir desse momento que os professores conseguiram um piso salarial baseado em três salários-mínimos da época.
Se depois isso foi eliminado já na época de outros governadores…Mas nós conseguimos na época dele essa conquista.
BNC Amazonas – Mestrinho era um bom negociador, então?
Era. Entre esses políticos com os quais negociei, era. Era difícil, mas eu negociava. Nesse primeiro momento [foi difícil] e depois nos outros foi facilitado.
Mas nesse primeiro momento foi preciso uma força política dos professores para que eles [governadores] negociassem melhor.
Fotos: Alex Fideles