Juíza freia sede de Eduardo Braga em censurar imprensa, e dá lição a ele

Acostumado a recorrer à Justiça para censurar a imprensa e a liberdade de expressão, o senador desta vez encontrou resistência à sua sanha.

Imprensa Braga entra com terceira medida para tirar outdoors

Aguinaldo Rodrigues, da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 14/10/2023 às 17:51 | Atualizado em: 14/10/2023 às 17:52

O senador Eduardo Braga (MDB) é velho conhecido no Amazonas por sua sanha de querer impor censura à imprensa quando as matérias não enaltecem sua figura. Mas, esse seu comportamento é quase exclusivo com a imprensa do estado. São vários os registros dessa conduta contra repórteres e veículos de comunicação.

Neste dia 13 de outubro de 2023, contudo, ele sofreu um revés nessa sua postura autoritária. Braga tentava censurar o site BNC Amazonas, exigindo a retirada de matéria que não lhe apeteceu, dá época em que foi governador do estado (2003-2010).

Só que Braga encontrou pela frente a juíza Ida Maria de Andrade, da 15ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho do Amazonas. Ela não apenas negou a pretensão como deu ao político uma clara e didática lição de como a Constituição manda que se trate a liberdade de expressão e de imprensa no país.

Em sua sentença, a juíza escreve a Braga: 

  • “É irrefragável que a liberdade de imprensa, também traduzida em sinônimo da liberdade de informação jornalística é um bem de personalidade (sobredireito) com índole constitucional (artigo 5°, inciso IV, da Lex Mater) impassível de refreamentos e limitações”.

Contumaz litigante, a demandar a Justiça em excessivas ações em busca de indenização pecuniária e de cercear a liberdade de expressão, Braga queria agora que o BNC Amazonas fosse obrigado a excluir a matéria abaixo. Além disso, que lhe pagasse R$ 20 mil por “dano moral”.

‘Fatos de interesse público’

A própria juíza, portanto, faz ver ao senador, de pronto, que sua investida contra o site é totalmente despropositada à luz do que pretendia, de censurar a matéria. 

Conforme Braga alegou, o site publicou “uma  notícia falsa e gravemente difamatória”, “um ato ilícito”. 

Ao que, em síntese, a magistrada respondeu:

“É indiscutivelmente controvertida a retirada da notícia por simples análise cognitiva sumária, isto porque de sua leitura realizada pela signatária neste dia, às 12h54m, não é possível a extração dos elementos capazes de demonstrar o direito que o Autor [Eduardo Braga] invoca, isto porque diz respeito a um processo judicial que teria sido produzido, em tese, pelo Ministério Público do Estado do Amazonas, a apontar irregularidades no contrato firmado com a empresa ETAM pela então Secretaria de Estado WALDÍVIA ALENCAR. Fatos públicos e de interesse público conhecidos e passados – em tese – pelo crivo do MP/AM e do TCE/AM”.

E ainda acrescentou:

  • “A notícia, ao que parece, está associada a um processo judicial que teria detectado, em tese, irregularidades contratuais atribuídas à Secretaria de Estado da Infraestrutura do Governo Braga, o que de forma alguma, ao menos em análise superficial para a concessão da tutela de urgência, envolve acha que ou violação à intangibilidade pessoal do Autor”.

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O apego à censura da imprensa é de tal forma incontrolável que, mesmo lhe tendo sido negada guarida por duas vezes aos seus pedidos, Braga ainda moveu apelação. Talvez só não contasse que o processo voltaria às mãos da juíza Ida Maria para a decisão de mérito.

E é então que a magistrada, transcrevendo a matéria publicada pelo site, na íntegra, passa a dar algumas lições ao político ao encerrar o caso. A começar pela negativa de retirar a publicação, o que seria uma afronta à Constituição:

Braga afronta a Constituição

“Este Juízo não vislumbra, em cognição sumária a fumaça do bom direito para assegurar ao Autor a retirada do conteúdo, ainda mais quando os interesses em conflito dizem respeito a direitos fundamentais artigo 5°, IX e X, da Constituição Federal”.  

Nada de segredo

“Pois bem não se há como deferir a decretação do segredo de justiça na tramitação deste processo por falta de enquadramento aos incisos do artigo 189, da Lei do Rito Civil”.   

Urgência sem sentido

“DESACOLHO a tutela de urgência por falta de preenchimento aos requisitos da probabilidade do direito e do perigo de dano”.

Liberdade vem antes 

“A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. […]”.

A pessoa e o homem público

“Ora me parece que o conteúdo veiculado no site de responsabilidade do Réu [BNC Amazonas] com menção expressa ao Governo do Autor se revista do cunho jornalístico informativo, através da notícia veiculada e judicialmente questionada, o Réu exerceu um juízo de questionamento acerca de atos do governo, não à pessoa do Governador. Atribuiu-lhe, assim, a natureza critica informativa”.

Sem ilícito, sem dano

“Ao prudente arbítrio desta Julgadora é possível reconhecer o animus que não escapa à narrativa jornalística, porque nenhuma informação inútil e desnecessária foi deflagrada”.

“[…] Assim, de logo não reconheço o ato ilícito digital que o Réu teria gerado ao Autor com enquadramento no chamado dano moral próprio. A este Órgão Julgador sobressai cristalino que o Réu não se houve, por conduta voluntária formal de violação ao dever jurídico de preservar a honra objetiva do Autor, à medida que veiculou conteúdo lícito provido de fidedignidade com insofismável ultrapassagem ao exercício regular do direito de expressão”.

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Sumariamente, por todos esses pontos, a juíza determinou a extinção da ação de Braga. Não sem antes condenar o senador ao pagamento das custas e despesas do processo, além dos honorários do advogado do BNC Amazonas.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil