O quanto Elon Musk infiltrou internet no Brasil para se achar acima da lei?

Empresa é fornecedora de serviços de telecomunicações ao Exército, Marinha, os ministérios da Saúde e Educação e a Petrobras

Ferreira Gabriel

Publicado em: 09/09/2024 às 18:12 | Atualizado em: 09/09/2024 às 18:15

A recente disputa entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o dono do X (antigo Twitter), o bilionário Elon Musk, chamou a atenção do mundo na última semana por conta da suspensão da rede social no Brasil, iniciada na semana passada.

O fogo cruzado entre Musk e o ministro Alexandre de Moraes respingou em outro negócio do bilionário sul-africano: o serviço de internet via satélite Starlink.

No dia 30 de agosto, Moraes determinou o bloqueio do X no Brasil após a plataforma descumprir uma série de ordens judiciais, entre elas, a de indicar um representante legal no Brasil.

Musk reagiu e acusou Moraes de ser um “falso juiz” e de ter promovido “interferência eleitoral em 2022”, quando presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Poucos dias após a decisão, no entanto, um rumor pairava no país: a possibilidade que Moraes também determinasse a suspensão das atividades da Starlink.

O temor era resultado do fato de que a empresa ainda não havia cumprido as ordens de Moraes para impedir que seus clientes pudessem acessar o X a partir das suas conexões via satélite.

Na terça-feira (3), porém, a Starlink anunciou que estava cumprindo as ordens de Moraes e a possibilidade de suspensão do serviço de internet da empresa foi dissipada.

Mas o mero receio de que a Starlink pudesse ser tirada do ar no Brasil deixou clientes e especialistas preocupados.

Em pouco mais de dois anos de operação, a Starlink se transformou em líder em um segmento pequeno, mas estratégico no setor de telecomunicações do país: o de internet via satélite.

Neste período, a empresa passou a ser fornecedora de importantes órgãos públicos do governo federal como o Exército, a Marinha, os ministérios da Saúde e Educação além da gigante Petrobras.

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Um levantamento feito pela BBC News Brasil com base no Portal da Transparência e no Diário Oficial da União (DOU) apontou que a empresa de Musk se transformou em uma importante fornecedora de internet via satélite para diversos órgãos públicos e estatais.

Os contratos não foram firmados diretamente com a empresa de Musk, mas com operadoras credenciadas pela Starlink para atuarem no Brasil.

O contrato de uma dessas operadoras com a Petrobras é, de longe, o mais vultoso identificado até agora.

Segundo documentos obtidos pela BBC News Brasil, em agosto de 2023, a Petrobras firmou um contrato de US$ 24 milhões com a empresa MTNSAT para que ela fornecesse o serviço de internet via satélite oferecido pela Starlink. O valor é equivalente a R$134 milhões.

A MTNSAT é uma multinacional especializada em comunicações para o setor marítimo e petrolífero.

De acordo com os documentos obtidos pela BBC News Brasil, o contrato para uso da tecnologia da empresa de Musk prevê a instalação de equipamentos para conexão de internet em pelo menos 70 bases, plataformas e navios da petroleira brasileira.

Entre elas estão as bases de exploração de petróleo e gás de região de Urucu, no interior do Amazonas, plataformas de exploração de petróleo que atuam na Bacia de Campos, entre outras. O contrato tem vigência até 2026.

Um dos detalhes que chamou atenção é que o edital de licitação para a contratação do serviço de internet via satélite realizado pela empresa citava diretamente que o serviço a ser contratado era o fornecido pela Starlink.

Questionada pela BBC News Brasil, a estatal confirmou o uso do sistema de Elon Musk.

“Os serviços de conectividade Starlink são utilizados na Petrobras por meio de contrato com a revenda autorizada da empresa no Brasil, selecionada através de processo licitatório público”, disse a Petrobras em nota enviada.

Além da gigante do petróleo, a Starlink também vem sendo usada pelos militares brasileiros.

Em maio deste ano, o Comando do Exército disponibilizou 100 pontos de internet da Starlink para comunidades localizadas no Rio Grande do Sul durante as enchentes que mataram mais de 170 pessoas no Estado.

No outro extremo do Brasil, na Amazônia, o Exército também passou a adotar a tecnologia a empresa de Elon Musk.

Em agosto deste ano, o Comando Militar da Amazônia (CMA) contratou uma empresa para fornecer o serviço de internet da Starlink a unidades militares da região amazônica.

O CMA é um dos principais e mais estratégicos comandos das Forças Armadas do país e atende aos Estados do Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre.

Entre suas diversas unidades estão 27 pelotões especiais de fronteira, normalmente situados em locais de difícil acesso e sem conexão por fibra ótica.

Até o momento, a empresa responsável pelos contratos recebeu pouco mais de R$ 90 mil para a instalação de 15 pontos de internet.

Em maio deste ano, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma reportagem sobre uma licitação no valor de R$ 5,1 milhões para a contratação de serviços de internet via satélite.

Ainda de acordo com a reportagem, as especificações feitas pelo Exército limitariam a quantidade de empresas capacitadas a oferecer o serviço e praticamente restringiriam o certame à Starlink.

O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação sobre o suposto direcionamento da licitação. Questionado sobre o assunto, o Exército enviou uma nota à BBC News Brasil reconhecendo o uso da tecnologia fornecida pela Starlink e informando sobre a investigação do TCU.

“O objetivo dos contratos é entregar uma solução para acesso à internet de forma adequada às necessidades da região, em especial nas unidades localizadas nas faixas de fronteira, onde a conectividade é essencial para o cumprimento das missões constitucionais do Exército Brasileiro”, disse um trecho da nota.

Sobre a investigação, o Exército disse que as questões feitas pela equipe técnica do TCU já teriam sido respondidas pela Força.

Quem também utiliza a tecnologia da Starlink é a Marinha.

À BBC News Brasil, a corporação informou que utiliza a Starlink em três embarcações: Navio-Veleiro Cisne Branco; Fragata Liberal e Navio-Patrulha Babitonga.

Duas unidades da Marinha também mantém contratos de internet com a Starlink: o Comando do Grupamento de Patrulha Naval do Sul-Sudeste (em Santos) e o Comando do Grupamento de Patrulha Naval do Norte (em Belém).

Ao todo, disse a Marinha, os contratos somam R$ 239 mil. Consultada sobre o assunto, a Aeronáutica não respondeu.

O levantamento da BBC News Brasil também identificou que outras instituições como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) utilizam, em menor escala, os serviços fornecidos pela Starlink.

A Funai, por exemplo, contratou uma antena para atender a uma base avançada de proteção etnoambiental na Terra Indígena Yanomami, alvo de garimpeiros que, coincidentemente, também vêm utilizando as antenas da Starlink para fornecerem internet nos acampamentos ilegais dentro da área.

À BBC News Brasil, o Ministério da Saúde confirmou que prevê a utilização do sistema de satélites da Starlink para conectar postos de saúde em áreas isoladas.

Essa interligação faz parte da Rede InfoSUS IV, cujo objetivo é conectar pelo menos 819 estabelecimetos de saúde indígena no Brasil.

O ministério não informou quantos destes pontos seriam atendidos exclusivamente pela Starlink.

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Foto: Marinha do Brasil/ Reprodução