Desembargador afasta tabeliã de Lábrea e denuncia policiais

Conflito agrário: corregedor do TJ-AM pediu providências contra juízes, policiais do Amazonas e do Acre e contra o ex-chefe da PF-AM Mauro Sposito, que estaria atuando como capanga em Lábrea

Grilagem no Sul do Amazonas, EM LÁBREA

Wilson Nogueira, especial para o BNC Amazonas

Publicado em: 02/04/2024 às 07:10 | Atualizado em: 02/04/2024 às 07:44

O corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJA), desembargador Jomar Fernandes, determinou nessa segunda-feira (01/04) o afastamento preventivo da tabeliã do Cartório de Labrea (AM), Luciana da Cruz Barroncas. Inicialmente, o afastamento é de noventa dias.

Ela está sob suspeita de resistir em prestar informações à Corregedores sobre documentos e providências no âmbito ação judicial que envolve o conflito agrário entre a Fazenda Polatina e o acampamento Marielle Franco, em terras do sul do Amazonas.

Até o fechamento desta matéria interventor ainda não havia sido nomeado.

No último sábado (30/3), o desembargador Jomar Fernandes ouviu lideranças dos agricultores, em Lábrea. Foi em em reunião com a presença do diretor de Governança Fundiária Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), João Pedro Gonçalves, e autoridades locais.

Tensão

Por medida de segurança, o encontro ocorreu com a guarda de agentes da Polícia Federal e da Polícia Civil do Amazonas, lotados em Manaus.

Os agricultores reforçaram a denúncia de que estão sob permanente ameaça de morte pelo posseiro Sidney Sanches Zamora. Sidney se diz proprietário das terras do acampamento, e, por seus capangas, entre os quais o ex-delegado aposentado da PF Mauro Spósito, o PM Bruno Almeida, comandante da PM no Acre, e PMs do Estado do Acre.

Agronegócio

A Fazenda Polatina já derrubou floresta para abrigar ao menos 20 mil cabeças de gado e está entrando em áreas de mata virgem para explorar madeira de alto valor comercial. “Esse é caso típico de avanço do agronegócio na Amazônia: primeiro vem desmatamento para pastagem, depois vem a monocultura da soja”, explica João Pedro.

Agricultura familiar e extrativismo

No acampamento Marielle Franco vivem, desde 2015, ao menos 200 famílias que praticam a agricultura familiar. Além disso, elas coletam produtos da floresta, como castanha, resinas e óleos vegetais.

Resistência

Paulo Sérgio Costa de Araújo, uma das lideranças do acampamento, está preso, desde o dia 5 de março. Ele é acusado de comandar uma invasão “às terras de Zamora”. A versão dos agricultores é a de que ele estava entre pessoas que tentavam impedir a exploração ilegal de madeira pelo fazendeiro.

Os agricultores reivindicam ao Incra que a área seja transformada em assentamento da reforma agrária.
Mas Sidney Zamora, por sua vez, apresenta documentação de proprietário. Os documentos, porém, não são aceitos pelo Incra e pelo ICMBio.

Influência no Judiciário

Os dois órgãos federais sustentam que essas terras pertencem à União. O Incra já iniciou o processo arrecadação da área. O objetivo é destinar o imóvel à reforma agrária. Mas as providências tomadas, inclusive com a participação de setores do Judiciário amazonense, não avançam em razão da provável influência de Zamora sobre agentes de órgãos públicos.

O desembargador Jomar Fernandes prometeu aos agricultores solução em breve tempo. Ele sustentou, em Lábrea, que o direito pertence a quem estiver com a razão.

Diante disso, o seu despacho pontua as providências.

“Forte nas razões que precedem:

Afastamento da tabeliã

a) o afastamento preventivo da delegatária de serviços extrajudiciais pelo prazo inicial de 90 (noventa) dias, nos termos do art. 36, da Lei n.º 8.935-94, bem como a indisposição de bens (compreendidos mobília, livros e documentos públicos, computadores e demais objetos que guarnecem o cartório), exceto os de natureza estritamente pessoal. Fica vedada a permanência da delegatária nas dependências do cartório. Isso vale enquanto perdurar este procedimento, salvo autorização expressa desta Corregedoria;

Interventor

b) a nomeação do interventor […] para exercer a atividade delegada. Isso enquanto perdurar o afastamento determinado no item “a”, salvo ulterior deliberação. Devese ser observar o que previsto no art. 36, § 2º da Lei Federal n.º 8935/94 e no art. 552, § 5º do Manual do Extrajudicial da CGJ-AM, no tocante ao depósito da metade dos valores excedentes em conta judicial.

Policiais do Acre envolvidos

c) quanto à atuação dos policiais militares do Acre, deve ser encaminhada cópia desta decisão e vídeos que, em tese, demonstram a presença de policiais fardados em Lábrea/AM à Corregedoria da Polícia Militar do Estado do Acre, à Promotoria de Controle Externo da Atividade Policial do Estado do Acre, à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Acre, à Procuradoria-Geral do Estado do Acre, ao Ministério da Justiça, ao Ministério Público Federal com atuação no Acre e no Amazonas e, igualmente, ciência ao Corregedor-Geral de Justiça do Acre para adoção das medidas que entender necessárias;

Policiais do Amazonas envolvidos

d) quanto à atuação do policial militar Bruno Almeida, que atua no Comando da Polícia Militar em Boca do Acre/AM, determino a remessa desta decisão, acompanhada dos vídeos que a instruem à Promotoria de Controle Externo da Atividade Policial com atuação em Manaus, à Promotoria de Justiça que atua em Boca do Acre/AM, ao Ministério Público Federal com atuação no Amazonas, ao Comando da Polícia Militar do Amazonas, à Corregedoria da Polícia Militar do Amazonas;

Ex-superintendente da PF-AM sob suspeita

e) em relação ao policial federal aposentado Mauro Sposito, encaminhe-se cópia desta decisão, acompanhada dos vídeos, com as cautelas do item “f” ao Ministério Público Federal com atuação no Amazonas e no Acre, ao Procurador-Geral de Justiça do Amazonas e do Acre e ao Ministério da Justiça;

Proteção dos vídeos dos conflitos

f) determino quanto aos vídeos mencionados nos itens “c” , “d” e “e” sigilo da versão original. Esta deverá ser enviada às instituições públicas e autoridades especificadas no comando desta decisão e juntada da versão editada para preservar o resultado prático das investigações e a integridade física e moral das vítimas e testemunhas. Assim, colocando-as a salvo de possíveis represálias;

Conduta de magistrados de Boca do Acre e Lábrea na mira

g) determinar correição parcial nos autos do processo de n.º 0600487-04.2024.8.04.5300, em tramitação na Vara Única de Boca do Acre-AM. Deve-se ser apurado em procedimento administrativo próprio a ser enviado ao gabinete do Juiz 01 desta CGJ , notadamente quanto às condutas dos magistrados de Boca do Acre/AM e Lábrea/AM para que apresentem informações sobre o conflito de competência jurisdicional, sem prejuízo de outras diligências necessárias para esclarecimentos dos fatos sobre a legalidade da prisão e possível permanência do custodiado em local diverso da decisão judicial;

Estatística

h) o envio ao Núcleo de Governança Fundiária e Sustentabilidade desta Corregedoria para análise deste procedimento sobre os índices estatísticos de violência na zona rural do Amazonas, grilagem e desmatamento florestal, de forma a enviar nota técnica aos municípios de Lábrea e de Boca do Acre para facilitar a prevenção a ilícitos, acompanhar a continuidade da correição extraordinária;

i) manter provisoriamente os servidores Aldemir da Silva Menezes Medeiros – Diretor da Divisão de Controle e Fiscalização Extrajudicial, Paulo Marcel Lopes Farias – Assistente de Diretor (Auxiliar Judiciário), Carolina de Oliveira Marreiro – Assistente Jurídico de Desembargador e Victor Marcell Almeida de Melo – Analista Judiciário – Contador, que atuam no setor de Divisão de Controle e Fiscalização dos Serviços Extrajudiciais desta Corregedoria no município de Lábrea-AM, mediante solicitação adicional de 10 (dez) diárias, para acompanhar os trabalhos correicionais, de intervenção e transmissão do acervo ao interventor nomeado;

Segurança

j) oficiar ao Comando da Polícia Militar de Lábrea/AM para requisitar apoio. E, se necessário, escolta aos servidores e interventor nomeado, durante a permanência no município para a execução dos trabalhos determinados por esta Corregedoria-Geral de Justiça;

k) oficiar à Funai, Ibama, Incra, AGU, MPF e Superintendência do Patrimônio da União e Superintendência da Polícia Federal no Amazonas, para ciência desta decisão. E, querendo, aportar informações sobre o acervo de matrículas e registros de imóveis de Lábrea/AM.

Cumpra-se com a urgência que o caso requer.”

Fotos: Divulgação/Incra