Autonomia do BC: PEC relatada por Plínio Valério pode parar no STF
A proposta, que muda o regime jurídico do órgão, transforma o Banco Central da atual condição de autarquia especial para empresa pública de direito privado

Iram Alfaia, do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 18/06/2024 às 22:16 | Atualizado em: 18/06/2024 às 23:54
O economista Paulo Batista Júnior alertou durante audiência nesta terça-feira (18), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que a proposta de emenda à Constituição (PEC 65/2023), que dá mais autonomia ao Banco Central (BC), caso seja aprovada, pode parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O senador Plínio Valério (PSDB-AM) é o relator.
A PEC, que muda o regime jurídico do órgão, transforma o BC da atual condição de autarquia especial para empresa pública de direito privado.
Além da autonomia operacional e administrativa, o banco teria plena autonomia orçamentária e financeira, o que na prática torna a instituição totalmente independente do poder central.
Valério afirmou que os ministros do STF já lhe garantiram que não existe inconstitucionalidade da matéria.
Ele disse que só não debateu a o mérito dessa questão com o economista pela sua condição de mediador do debate, uma vez que foi autor do pedido de audiência.
Na avaliação de Batista Júnior, que foi diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), a PEC agrava os problemas já existentes no BC, que são “extraordinariamente importantes à sociedade e não são de caráter puramente técnico, mas de economia política”.
“Se aprovada como está, é bem possível que a questão acabe parando no STF”.
De acordo com o economista, a proposta constitucionaliza os princípios que estão em lei complementar.
“Por exemplo, autonomia operacional e administrativa, ausência de subordinação a ministérios ou qualquer órgão público, isso já está em lei complementar. E ainda essa autonomia ampliada pela dimensão orçamentária e financeira”.
Batista Jr. afirmou que o artigo 192 da Constituição estabelece que o sistema financeiro nacional, do qual faz parte o BC, tem que ser regulado por lei complementar.
Ele argumentou que a mudança jurídica retira as atribuições do BC que são “eminentemente estatais” como emitir moeda primária por delegação do estado; exercer política monetária; regular e supervisionar o sistema financeiro; e gerir as reservas internacionais que são do estado.
“É uma incongruência atribuir para uma empresa pública e direito privado tarefas que são eminentemente estatais, são centrais para a ação do estado”.
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Divergência
O ex-presidente do BC Henrique Meirelles defendeu a ampliação para autonomia financeira.
“O Brasil não pode ficar dependente da autonomia informal do BC a cada presidente eleito. É fundamental ter a garantia de perenidade dessa autonomia, sem previsibilidade os riscos se ampliam e fica mais difícil controlar a inflação”.
O economista Marcos Lisboa, ex-presidente do Insper, também defendeu a aprovação da PEC.
“Já era para a gente ter o pix automático, que está atrasado há dois anos. A arquitetura tecnológica do BC fica prejudicada com a falta de autonomia de recursos. Isso fragiliza o sistema e coloca em risco os meios de pagamento que cuidam da vida das pessoas. A fragilização que o BC tem sofrido, já há alguns anos, dificulta avançar nessa agenda”.
Para o economista Lara Resende, as políticas monetária e fiscal são complementares e não podem ser conduzidas de forma independente.
“A PEC como está não é um avanço institucional, é um profundo regresso. É uma volta a uma ideia das atribuições do Banco Central executadas por um banco público-privado, pré-1945″.
O diretor jurídico da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Edison Vítor Cardoni, criticou o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o maior incentivador da proposta.
“Qual problema ele quer resolver?”.
O sindicalista desmentiu Campos Neto, que na batalha a favor da PEC disse que a instituição está “derretendo” com a perda de sete funcionários por semana para o mercado financeiro.
“Sete por semana dá 350 por ano e 1.400 em quatro anos. O BC tem 3.200 servidores, sendo 1.400 quase a metade. Sabe quantas pessoas pediram exoneração em quatro anos? 19”.
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Lula
As declarações do presidente Lula da Silva, neste dia 18, dizendo que Campos Neto “tem lado político e trabalha para prejudicar o país” também repercutiram na audiência.
Em jantar oferecido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o presidente do BC deu conselhos políticos e se ofereceu para o cargo de ministro da Fazenda em eventual candidatura a presidente do ex-ministro de Bolsonaro em 2026.
“É o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Um presidente do BC que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político, e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar o país. Não tem explicação a taxa de juros do jeito que está”, disse Lula.
Na audiência, o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) saiu em defesa de Campos Neto e chamou a atitude de Lula de “populista”.
Moro foi rebatido pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
“O presidente fez críticas a algo que não é pertinente à liturgia do cargo de presidente do BC. Não me consta que o presidente do Banco Central dos Estados Unidos saia a favor de quem quer que seja num ato político, não é próprio. É próprio do presidente da República. Então se a autonomia é para isso ela está sendo mal utilizada”.
Fotomontagem: Alex Fidelis/ BNC Amazonas