Pitacos e desabafos
O artigo do professor Flávio Lauri aponta o ser humano como um ser histórico, situado e datado, muito embora nunca acabado. | Leia.

Ednilson Maciel, por Flávio Lauria*
Publicado em: 04/02/2023 às 09:56 | Atualizado em: 04/02/2023 às 09:56
Às vezes tenho ímpetos de chutar o pau da barraca, mandando às favas ideário, brasilidade e o nortedestinidade, em conjunturas onde a ética se encontra escamoteada até por alguns mandatários que abrigam sogras em apartamentos funcionais. Mas logo volto a querer seguir adiante, quando releio Harold Kusher, Nilton Bonder, Paulo de Tarso, Rubem Alves e Paulo Freire, o primeiro sendo autor de uma reflexão-vacina:
“Se o sentimento de nossa identidade depende da popularidade e da opinião que as outras pessoas têm de nós, estaremos sempre sujeitos a essas outras pessoas. A qualquer momento, elas poderão puxar o tapete sob nossos pés”.
Defino o ser humano como um ser histórico, situado e datado, muito embora nunca acabado, sentindo-se metamorfose ambulante, como dizia o baiano Raul Seixas. Ele não é apenas um ser no mundo, mas um ser em permanente interação com o mundo, modificando e sendo modificado, condutor e conduzido, mutante porque capaz de questionar e ser questionado.
Daí minha estupefação quando me deparo com pessoas de caráter amorfo, desejando ser boazinhas para com todos, olhos fixos nas vantagens, sempre adeptas das pompas bizarras e dos fingimentos porcalhões.
De pouca envergadura cívica, elas não se apercebem do ensinado:
“Não dê atenção a todas as palavras que o povo diz, caso contrário poderá ouvir o seu próprio servo falando mal de você, pois em seu coração você sabe que muitas vezes você também falou mal de outros”. (Ec,7,21).
Usando a linguagem como espelho de sua própria historicidade, o ser humano a utiliza segundo diferenciados graus etários, níveis de renda e de escolaridade. Tudo tornando-se ópera bufa se as contradições sobrepujarem a sinceridade de um existir honesto.
O próprio rabino Kushner, que perdeu um filho de maneira dolorosa, assegura:
“Não permita que coisa alguma – seu emprego, seu carro, nem mesmo sua saúde ou sua família – seja muito importante e você se imunizará contra o medo de perdê-la”.
Os “critiquentos” não assimilam que a sua insistente sinfonia da negação pode se transformar numa degenerativa postura negativista, onde nada presta, nada do passado tem valor, todos buscando agir conforme seus próprios interesses e ambições. Num autofágico individualismo que menoscaba a individualidade, reduzindo todos a ninguém, posto que sem bons comandados os comandantes não evoluem, naufragando com muita facilidade no próprio charco por eles criados.
O homem eticamente comprometido com os amanhãs do Reino de Deus percebe que não é criador do futuro de todos. Sua consciência ressalta que ele é apenas aquele que age à luz de um futuro prometido, que seguramente advirá. A teologia pastoral, por exemplo, parte integrante de uma Igreja que deveria ser mais parteira da História, deveria ter como missão basilar, na manutenção da efetividade do seu caminhar, buscar uma nova linguagem, ainda que nunca se distanciando dos contextos diferenciados e muitas vezes opostos.
Caberia à Igreja habilitar-se na apreensibilidade de novos cenários, erradicando as inadequações que enfastiam e desacreditam, ensejando fundamentalismos que não levam na devida conta a irreversibilidade de uma pós-modernidade.
A Esperança é porta-bandeira indispensável refletida no pensar de Nilton Bonder, uma inteligência judaica privilegiada, também teólogo de nomeada:
“Para podermos honrar a consciência e a experiência existencial, temos de conhecer a arte de pedir concordata para nosso empreendimento na dimensão da consciência. Esta concordata tem como parte de seu objetivo salvaguardar a própria consciência de uma possível falência, que representaria a alienação total. Esta concordata é comumente chamada de entrega”.
Do citado Bonder, o final destes pitacos e desabafos: “Quem se permite experimentar uma pausa, acaba por encontrar uma.
*O autor é professor universitário, administrador com mestrado e doutorado em Administração, especialização em Economia, escreve em blogs jornais e Facebook. Mais de 1800 artigos versando sobre diversos assuntos.
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