Pelo fim da violência institucionalizada no Brasil
Neste artigo, o autor discute a cultura da violência nos aparelhos de segurança e defesa do país e propõe reformas, como a desmilitarização das PMs

Neuton Correa, por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 08/02/2025 às 00:01 | Atualizado em: 08/02/2025 às 04:35
As instituições de segurança e defesa do Estado brasileiro são intrinsecamente violentas. Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e outras possuem uma cultura de violência que se alicerça na ideia de extermínio do outro. O problema é que, geralmente, esse “outro” são os próprios concidadãos.
O processo de construção da violência material e simbólica tem início já no processo seletivo para o ingresso nessas forças. As provas físicas já levaram à morte vários candidatos. Após a admissão, a formação nas academias militares continua violenta, com rotinas de humilhação física e mental.
Nesse contexto, com tanto estímulo e apreço pela violência, é quase impossível encontrar policiais e soldados que não sejam truculentos. E, como não temos inimigos externos, essa violência é toda descarregada em cima da população, notadamente os jovens pobres, pretos e periféricos.
Reforma
Alguns colegas sociólogos dizem que é impossível reformar instituições cuja gênese está na violência e que, no limite, estão a serviço dos interesses do grande capital, como as polícias. Nesse contexto, eles defendem a extinção das polícias militares e até mesmo das forças armadas.
Não é mais aceitável que tenhamos almirantes, brigadeiros e generais de quatro estrelas antidemocráticos e analfabetos funcionais.
Aldenor Ferreira, sociólogo.
São argumentos interessantes e respeitáveis, mas, de minha parte, defendo a reforma dessas instituições e não a extinção delas. No caso das PMs, proponho a desmilitarização. No caso do Exército, da Marinha e da Aeronáutica defendo a reformulação de todo o currículo, bem como das formas de ingresso e de promoção na carreira. Não é mais aceitável que tenhamos almirantes, brigadeiros e generais de quatro estrelas antidemocráticos e analfabetos funcionais.
As forças de segurança são fundamentais para qualquer país, mas precisam ser, antes de tudo, republicanas e democráticas. A formação deve ser humanística e cidadã, para que os concidadãos não são sejam considerados o inimigo número um de uma determinada força. Nesse contexto, as academias militares precisam formar, antes de tudo, profissionais tecnicamente preparados – e não cães ferozes para o ataque.
Hoje, em todas as forças de segurança, a formação de soldados e policiais tem um caráter nazifascista, antidemocrático e antipovo. Trata-se de uma pedagogia anacrônica, presa ao mundo analógico dos tempos da Guerra Fria, da bipolarização do mundo, baseada na carcomida Doutrina da Segurança Nacional. Não há nada mais empoeirado que isso.
Conclusão
Concluo afirmando que a violência está presente em todos os poderes e instituições do nosso país. O Poder Judiciário, por exemplo, por meios de suas instâncias, também comete violência contra a população. Todos os dias, “erros” são cometidos nos tribunais, cuja consequência é o encarceramento de muitos brasileiros, notadamente jovens pobres.
Nesse âmbito, é preciso desinstitucionalizar e erradicar a cultura da violência das instituições brasileiras. Somente dessa forma será possível a construção de um país verdadeiramente democrático, justo e solidário.
No caso das forças armadas e das PMs, é preciso trazê-las para o século XXI, treiná-las, torná-las mais eficientes e cidadãs. A cultura do ódio não pode ser a diretriz pedagógica formativa de nenhuma instituição civil ou militar. Isso não condiz com o Estado Democrático de Direito, com a República e com a Constituição Federal.
Reforma possível
É uma reforma possível? Sim, é possível. Certamente, não será uma tarefa fácil, pois são instituições centenárias, com posturas de ódio por seus concidadãos cristalizadas. Mas é preciso iniciar o debate de forma séria e determinada. Cabe ao governo federal chamar as discussões e propor projetos ao Congresso Nacional de reforma das instituições militares de nosso país, bem como de seu sistema de justiça.
Nesse tema, a sociedade civil precisa participar e se somar à luta pelo fim da institucionalização da violência. Um Estado que se diz democrático não pode ser um Estado assassino. Suas instituições de segurança e defesa não podem agir como milícias ou grupos de extermínio. Permitir esse tipo de comportamento é contribuir para a ruína do próprio Estado Nacional, fato que levará, necessariamente, à barbárie.
*Sociólogo
Arte: Gilmal