Do barracão ao galpão no festival de Parintins
Artigo traça linha do tempo da evolução dos espaços tradicionais de confecção do boi-bumbá em Parintins.

Dassuem Nogueira, da redação do BNC AMAZONAS em Parintins
Publicado em: 20/06/2025 às 13:14 | Atualizado em: 20/06/2025 às 16:30
Por Dassuem Nogueira*
Embora o termo brincadeira remeta ao universo infantil, o boi-bumbá de Parintins é um divertimento tradicional para adultos.
Apenas recentemente, na década de 80, foram criados os bois-mirins dedicados à brincadeira das crianças.
Assim, quando Parintins era uma cidade pequena e bucólica, a brincadeira atraia famílias inteiras das comunidades ao redor.
Esses visitantes passavam a temporada dos festejos juninos e religiosos em casas de parentes ou em locais chamados de barracões.
O barracão
O barracão era uma construção alta, com assoalho de madeira, meia parede, teto de palha, cobertura duas-águas.
Os barracões se localizavam longe da urbanidade ainda restrita ao centro histórico, cumpriam o papel de sede comunitária e atendiam a finalidades diversas.
O que se localizava na baixa da Xanda, por exemplo, tinha cerca de 6 metros de frente por 10 metros de fundo. Localizava-se atrás de onde hoje é o curral antigo do boi Garantido, no terreiro da família Monteverde.
As festas dançantes aconteciam no barracão. Nele, também aconteciam as apresentações das pastorinhas, dança dramática religiosa da festa de Dia de Reis, em 6 de janeiro.
A batucada e a dança do boi-bumbá aconteciam no terreiro.
Dona Antônia, esposa do mestre Lindolfo, recebia os ribeirinhos que vinham para os festejos do Garantido nesse local, atuando como anfitriã que organizava alimentação e preparativos para as brincadeiras.
No barracão, as famílias faziam pouso, conviviam por um período, cozinhando, costurando e confeccionando os artefatos para as brincadeiras nas ruas e no próprio terreiro.
Leia mais
Caprichoso ensaia noite amazônica
Quartel-general
Com o crescimento do festival de boi-bumbá, os artesãos passaram a confeccionar fantasias inspiradas em indumentárias indígenas e itens de competição em suas casas.
Entre 1947 e 1991, o mundo esteve submerso na chamada guerra fria, entre Estados Unidos, capitalista, e a União Soviética, socialista.
Os EUA também se envolveram em uma guerra contra o Vietnã (1955-1975).
Nesse período, a cultura cinematográfica estadunidense foi bastante influenciada por essas guerras.
Por sua vez, os filmes que chegaram a Parintins recaíram sobre outra guerra: a de Garantido x Caprichoso.
Nesse contexto, as casas dos artesãos, costureiras e artistas onde se faziam as fantasias e alegorias para o Festival Folclórico de Parintins passaram a ser chamados de quartéis-generais, os QG.
O termo era completado pelo nome do artista, por exemplo, QG do Gudu, onde se confeccionavam os tuxauas no lado vermelho da ilha.
Cada tribo, hoje chamada de povo indígena, tinha o seu QG.
Hoje, esses espaços fora dos galpões onde se elaboram as fantasias e roupas dos itens seguem existindo, mas também são chamados de ateliê.
O galpão
Com a projeção nacional e a crescente profissionalização e espetacularização do festival de Parintins, na passagem da década de 90 para o ano 2000, as alegorias, o número de brincantes e o tempo de espetáculo também aumentaram.
A grandiosidade do festival exigiu espaços maiores que fossem capazes de centralizar a confecção de alegorias e fantasias. Por esse motivo, as agremiações passaram a usar galpões.
Contudo, os termos QG e barracão seguem coexistindo na memória coletiva dos moradores da cidade, que revezam o uso desses termos.
*A autora é doutora em antropologia.
Foto: divulgação