Paradoxo estranho
Mamilos à mostra, mesmo que aconteça em meio a corpos seminus, nas praias e piscinas, geram bate-boca

Ferreira Gabriel, por Flávio Lauria*
Publicado em: 28/06/2024 às 09:22 | Atualizado em: 28/06/2024 às 09:22
Época de boi em Parintins, diz uma amiga que, mais do que no carnaval, depois de nove meses o índice de nascimento de crianças cresce assustadoramente.
Fui uma vez ao festival, com todas as mordomias, e verifiquei que realmente a ilha de Parintins é uma devassidão, mas pelo calor que torna aquela ilha mais quente que Manaus, e pela necessidade da liberdade, principalmente feminina.
Mamilos à mostra, mesmo que aconteça em meio a corpos seminus, nas praias e piscinas, geram bate-boca. E piadas. E assobios marotos. E mesmo brigas. E podem destruir reputações.
Cá no Brasil, já deram até prisão.
Juntamente com a genitália (que é, como esclarece o Aurélio, o “conjunto do órgão copulador e anexos nos artrópodes”), eles, os mamilos, são o patinho feio do corpo feminino.
Assim sendo, não devem ser exibidos em público. Ao contrário, cumpre que sejam mantidos longe dos olhos alheios. Apesar disso, o topless, por mostrar o que mostra, a muitos escandaliza.
Essa norma é um imperativo da moral e dos costumes vigentes neste país tropical. Se ela resulta igualmente de dispositivo legal ou não, é matéria controversa que não cabe discutir aqui.
Suponho que o eventual leitor desta crônica esteja imaginando que este introito vá desembocar em uma acusação ou defesa do topless. Esclareço-o logo: nem uma coisa nem outra.
Meu intento é apenas o de divulgar o resultado de um levantamento que fiz não só na ilha do boi, mas à beira-mar, durante cerca de dois meses deste verão.
Trabalho sério, embora realizado na base do “olhômetro” atento e imparcial.
Sua conclusão – a qual de certa forma já antecipei de início – foi essa: ao contrário do que se costuma dizer, ler e ouvir, não são exatamente os seios desnudos que sofrem restrição e até punição no Brasil.
Contra a exibição de seu formato, de suas cores, de sua rigidez ou flacidez, nenhuma reprovação se faz sentir. Eles por aí andam à mostra, não só nas praias e nas piscinas, mas também nas ruas, nos salões, no bumbódromo, e até nos templos religiosos.
A olho nu, contanto que os mamilos estejam discretamente cobertos, podem ser vistos e dimensionados com extrema facilidade, graças aos cada vez mais generosos decotes dos vestidos, blusas, sutiãs e maiôs de uma ou duas peças – todas elas partes de um vestuário feminino a cada dia, a cada verão, mais e mais sumários e transparentes como os céus dos mais belos dias de outono…
Lembrado isso, volto aos mamilos.
É por sua exibição ou não que se costuma avaliar o maior ou menor grau da pudicícia das mulheres de hoje.
Se os mantiver cobertos, ainda que, como hoje se observa no litoral e nas piscinas, com uma simples tirazinha à guisa de sutiã, tudo bem, muito a contemplar, nada a reclamar…
Postas essas considerações, resta-me compor um final que as justifique, livrando-as de qualquer conotação picaresca passível de má interpretação.
E o que me ocorre é essa lembrança que põe a descoberto um paradoxo: por incrível que pareça, o mamilo é justamente a primeira parte do corpo feminino com o qual o homem visualiza e toma contato, não sem antes reclamá-lo aos prantos…
Apesar disso, o topless, por mostrar o que mostra, a muitos de nós escandaliza.
Já quanto às nádegas femininas, bem mais carnudas do que os seios, só por não terem mamilos, nenhuma restrição visual.
Enfim…
*O autor é mestre e doutor em administração pública.
Foto: Chico Batata