Os animais na era da psicopatia
"Quem comete atos de crueldade com animais indefesos tem potencial para agir de igual forma com qualquer ser humano"

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 23/04/2022 às 04:00 | Atualizado em: 23/04/2022 às 05:29
O ambiente psicossocial do Brasil, hoje marcado pelo culto à crueldade, à perversidade, à indiferença, enfim, pela violência em todas as suas formas, tem favorecido sobremaneira o afloramento de inúmeros comportamentos ligados à psicopatia.
Como dito na semana passada, o país vive um período tenebroso em que o mal, disfarçando-se de bem, parece querer triunfar. Nesse sentido, para finalizar essa série de textos sobre o mal e a violência, escrevo, hoje, sobre um traço revelador da psicopatia: a crueldade cometida contra os animais, aspecto fartamente registrado na literatura médica como um dos sintomas iniciais desse distúrbio mental grave.
Nos noticiários nacionais abundam casos de maus-tratos, torturas e demais crueldades com os animais. Todavia, é importante ser mencionado que, de acordo com a Lei 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998, que trata dos crimes ambientais, agir dessa maneira constitui crime.
O Art. 32 da referida lei afirma que praticar ato de abuso e/ou maus-tratos, bem como ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, é crime, tendo como pena a detenção de três meses a um ano, seguida de multa.
O parágrafo primeiro esclarece, ainda, que “incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”.
Por fim, o texto fala que “quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput do artigo será de reclusão, de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda, com a pena sendo aumentada de um sexto a um terço, se ocorrer a morte do animal”.
Apesar do avanço da legislação na salvaguarda aos animais, não resta dúvida de que se trata de penas brandas quando comparadas com as ações que são praticadas com crueldade contra esses seres indefesos.
Como dito, há centenas de casos de maus-tratos noticiados, mas quero me ater aqui a dois específicos, cuja crueldade me embrulhou o estômago e fiquei muito mal por alguns dias: o caso das búfalas do município paulista de Brotas e o caso do caçador que matou, por pura diversão, uma onça pintada em Mato Grosso.
O caso das búfalas ganhou destaque nacional em novembro do ano passado, gerando comoção nacional devido ao estado cadavérico dos animais quando foram encontrados. O plantel foi deixado sem comida e sem água várias vezes e muitos morreram de fome e de sede.
É importante ser mencionado que os búfalos são animais de grande porte, fato que exige, necessariamente, amplo suporte alimentar. De acordo com a literatura sobre manejo de bubalinos, um animal pesando 300 kg precisa consumir cerca de 6 kg diários de matéria seca e ter ampla disponibilidade de água de boa qualidade.
Ademais, são necessárias outras infraestruturas e cuidados adicionais para que os animais não sofram, tais como acesso a abrigos e a aspersores de água, complementação mineral, vacinas, dentre outros, que também não foram disponibilizados pelo tutor em sua fazenda, local cheio de irregularidades ambientais.
Depois de uma ampla e séria investigação, a única explicação plausível para o caso de maus-tratos das búfalas era o mau-caratismo do proprietário e a sua psicopatia, uma vez que inúmeras medidas poderiam ter sido tomadas por ele para evitar o sofrimento dos animais. Parte do plantel só foi salvo graças à intervenção da sociedade civil, ou seja, por meio da generosidade e solidariedade de muitas pessoas.
No caso da onça, cruelmente abatida, segundo reportagem do portal Metrópoles, o caçador, além de abater o animal a tiros, fez questão de se filmar ao lado dele já sem vida, dizendo alguns absurdos. Faço questão de reproduzir aqui um trecho que foi extraído do vídeo e citado na reportagem publicada no dia 1º de abril deste ano.
“Já quando aparece abraçado com a onça abatida, ele [caçador] faz comentários de cunho sexual, se gabando. ‘Chora não, bebê! Aqui não tem mamãe e nem papai. É Lapada do Língua Preta. Você não vale b* nenhuma, sua filha da p*. Se você fosse fêmea, eu dava uma ‘encoxada’ em você. Sua sem-vergonha. Não vale nada. Aí viu? É assim que o homem faz. Obrigado!’”.
Depois de lermos palavras como essas, o que podemos dizer, caro(a) leitor(a)? Certamente trata-se de um caso claro de psicopatia. Todavia, precisaríamos do auxílio de um(a) psiquiatra ou de um(a) psicólogo(a) para irmos mais a fundo no entendimento e na explicação de um comportamento tão atroz assim. Como sociólogo, o que posso dizer é que precisamos endurecer as leis relacionadas aos maus tratos dos animais, fazendo-se necessárias penas mais longas e multas mais altas.
De todo modo, em ambos os casos que citei aqui, a crueldade foi a protagonista. E não devemos nos enganar: quem comete atos de crueldade com animais indefesos tem potencial para agir de igual forma com qualquer ser humano, o que determinará uma ação violenta contra o seu semelhante serão apenas as circunstâncias e as oportunidades.
Com efeito, é importante ressaltarmos que, mesmo diante desse culto aberto à violência, há, cada vez mais, aqueles que cultuam a paz. Um exército de seres verdadeiramente humanos que não aceita mais nenhum tipo de crueldade com os animais, que continuará lutando pela implementação de políticas que visem ao bem-estar animal, seja ele silvestre, doméstico ou domesticado.
Em tempos de psicopatia nacional cada vez mais aflorada e incentivada politicamente, que reivindica, por exemplo, a liberação irrestrita da caça de animais silvestres, de pesca e turismo em santuários ecológicos, a natureza, de maneira geral, e os animais de maneira específica, estão profundamente ameaçados de morte.
Nesse sentido, cabe aos animais humanos, sensíveis, éticos e solidários, a defesa intransigente de toda a fauna nacional, afinal, somos tutores deles(as) todos(as).
Psicopatas, assassinos de animais, não passarão!