Os alimentos mais envenenados do mundo
É possível que o Brasil tenha os alimentos mais envenenados do mundo. A variedade e a quantidade de defensivos agrícolas nas lavouras assustam

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 09/11/2024 às 04:00 | Atualizado em: 09/11/2024 às 05:42
É possível que o Brasil tenha os alimentos mais envenenados do mundo. A variedade e a quantidade de defensivos agrícolas utilizados nas lavouras são assustadoras, com médias de aplicação superiores aos países europeus, por exemplo.
Estudo publicado pelo deputado federal Nilto Tatto, no âmbito de construção da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), apresenta os Limites Máximos de Resíduos (LMR) em produtos brasileiros e da União Europeia. As diferenças são marcantes.
De acordo com o estudo, no que tange ao uso de agrotóxico por culturas, o Glifosato no café, no Brasil, tem LMR de 1 mg/kg. Na União Europeia, esse número é de 0.1 mg/kg. Ou seja, o Brasil aplica dez vezes mais. Em relação à Melationa aplicada no feijão, o LMR no Brasil é de 8 mg/kg, enquanto o da União Europeia é de 0,02 mg/kg. Isso significa dizer que aqui se usa quatrocentas vezes mais que lá.
Em relação à aplicação de Glifosato na soja, o LMR no Brasil é 10 mg/kg. Na União Europeia é de 0,05 mg/kg. Ou seja, no Brasil é duzentas vezes maior. Para o brócolis, o LMR brasileiro é de 5 mg/kg enquanto o da União Europeia é de 0,02 mg/kg. Isso significa que no Brasil é duzentas e cinquenta vezes maior, indica o estudo.
O estudo do deputado mostra ainda as diferenças entre os limites máximos de resíduos permitidos na água potável no Brasil e na União Europeia. Novamente, as diferenças são gritantes. No caso do Glifosato, o LMR brasileiro é de 500 mcg/1. Na União Europeia é de 0,1 mcg/1, ou seja, no Brasil é quinhentas vezes maior o limite.
Uso indiscriminado
Certamente, há um elevado uso de defensivos agrícolas no Brasil. Essa “boiada passou” principalmente no governo Bolsonaro, cuja política era claramente favorável à permissão de maior uso de defensivos na lavoura brasileira.
Isso levanta questões preocupantes sobre a qualidade e mesmo sobre a segurança dos alimentos que a população brasileira consome diariamente. Em um cenário no qual a própria legislação federal permite o uso amplo de defensivos, muitos dos quais já banidos em diversos países, o que resta para a população?
Na verdade, o que se tem hoje no país é um uso indiscriminado de defensivos agrícolas (agrotóxicos), fato que coloca o Brasil em uma posição vergonhosa como um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo.
O discurso dos que defendem o uso dessas substâncias químicas pouco confiáveis, visto que aquilo que aparentemente não causa danos hoje pode, a partir de novos estudos e revisões, mostrar, amanhã, evidências comprovadas de que causa, sim, é sempre o mesmo: “o uso de defensivos agrícolas é fundamental para aumentar a produtividade, pois é preciso aumentar a oferta para que os preços dos alimentos possam ser acessíveis à população”.
Todavia, o uso indiscriminado e pouco fiscalizado pode trazer riscos significativos para a saúde das pessoas e, também, para o meio ambiente. Os alimentos são portas de entrada para uma vida saudável. Neste âmbito, estudos demonstram que a exposição contínua aos defensivos agrícolas pode causar problemas que vão desde alergias e distúrbios hormonais até doenças mais graves, como câncer e problemas neurológicos.
Novos modelos
Em relação ao ambiente, os efeitos são devastadores. Estima-se que grande parte dos defensivos agrícolas acaba indo parar nos rios e aquíferos, contaminando o abastecimento de água em áreas urbanas e rurais.
Essa poluição se estende para além das fronteiras das fazendas e, muitas vezes, afeta comunidades inteiras que dependem desses recursos. A contaminação do solo, da água e dos animais coloca em risco a biodiversidade do país e, no limite, promove uma crise socioambiental.
Portanto, é preciso que haja uma política de redução do uso de defensivos agrícolas no Brasil. Mas não apenas isso. Faz-se necessário também a implementação em larga escala de novos sistemas de produção de alimentos. A agroecologia e a agricultura orgânica, por exemplo, são modelos de produção de alimentos que atendem bem aos critérios da produtividade e da sustentabilidade.
Esses modelos vêm ganhando força a cada dia, com a adoção de métodos e técnicas que evitam o uso de defensivos agrícolas e buscam priorizar o bom uso do solo. Todavia, a implementação em larga escala desses modelos esbarra na falta de incentivo governamental no âmbito federal, estadual e municipal.
Conclusão
Como afirmamos, é provável que o Brasil tenha os alimentos mais envenenados do mundo. A quantidade de defensivos agrícolas que são utilizados por aqui é absurda, fato que se constitui em um enorme desafio para a sociedade civil e política.
Neste âmbito, tornar o consumo e a produção sustentável acessíveis a todos exige políticas públicas que promovam uma transição gradual e consciente para métodos menos nocivos.Em última análise, a segurança alimentar é um direito fundamental. Nesse sentido, assegurar alimentos livres de contaminantes é um passo importante para garantir a saúde da população e, também, do meio ambiente.
*Sociólogo
Arte: Gilmal