O tucumã tem valor e custa caro

Modo como o tucumã foi apresentado causou revolta

Mariane Veiga, por Dassuem Nogueira

Publicado em: 13/09/2023 às 19:01 | Atualizado em: 13/09/2023 às 19:16

Tem dado o que falar o conteúdo sobre o tucumã transmitido pelo programa “Domingão com o Huck”, que foi ao ar no domingo, dia 10, na TV Globo.

Muitos internautas se irritaram pelo modo como o tucumã foi apresentado: “uma praga”, “não tinha valor”.

O conteúdo promocional, que tinha como objetivo fazer propaganda da responsabilidade ecológica e social da Natura com a Amazônia, apresentou essa e outras demonstrações de que a empresa e o seu propagandista têm conhecimento limitado sobre a região.

O mais evidente disso é a ideia equivocada de que a Amazônia é um todo uniforme. E, por isso, tomou o Pará como expoente de toda a região.

A Amazônia não é uniforme sequer se tomarmos como critério o bioma. A paisagem natural é diversa. Há a várzea, a terra firme, o lavrado, áreas montanhosas, areais, pedreiras. E por aí vai.

Por ver a Amazônia como um imenso verde indistinto, Huck afirmou em rede nacional que o tucumã era um produto sem valor algum para toda a região.

Tão diverso quanto a natureza é o universo social amazônico. Assim, nem para todos os paraenses o tucumã é um desvalido.

No Pará, o fruto é alimento em algumas regiões, especialmente no vasto território fronteiriço com o Amazonas.

Além disso, é consumido por muitos povos indígenas daquele estado.

E ainda que não fosse um exagero afirmar que o tucumã não tem valor para toda a humanidade paraense, o fruto é um importante alimento para os animais, sobretudo para as cotias. Isso, sim, é válido para qualquer parte da Amazônia onde se encontrem cotias e tucumãzeiros.

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Tucumã, um dos pilares de nossa identidade cultural

O descuido com as afirmações mexeu com o brio dos amazonenses.

No Amazonas, o tucumã não só tem alto valor culinário como é um dos pilares de nossa identidade cultural.

O tucumã é o ingrediente surpresa do x-caboquinho. Feito com a polpa do fruto, queijo coalho regional, banana pacovã frita e pão, o sanduíche se tornou patrimônio cultural e imaterial da cidade de Manaus, reconhecido pela câmara municipal em 2019.

Uma padaria na zona sul de Manaus, onde consta no cardápio o x-caboquinho e a tapioca caboquinha, chega a usar 8 kg de polpa de tucumã por dia.

O fruto ainda é usado na produção de cremes, sorvetes, pizzas e molhos de pimentas. Tudo para corresponder ao paladar “atucumãzado” dos amazonenses.

A cadeia produtiva do tucumã consumido em Manaus

Há algumas espécies de tucumãs. Os que são comercializados na capital amazonense são obtidos da palmeira Astrocaryum aculeatum, conhecida no universo científico como tucumã do Amazonas ou tucumã-açu.

E são obtidos também da espécie Astrocarym vulgare, utilizado pela Natura, segundo o site da empresa. Este é conhecido como tucumã do Pará, pois predominante na Amazônia oriental.

O tucumãzeiro é uma palmeira espinhosa, não formam comunidades, cresce a certa distância uma da outra. Não é comum que sejam plantadas.

Porém, dado o seu potencial comercial, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) tem realizado estudos para fazer plantações a fim de aumentar a produção.

É possível encontrar o tucumãzeiro no Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará e Mato Grosso, além das Guianas, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia.

Sua principal disseminadora na floresta são as cotias. O roedor enterra os frutos para consumir posteriormente e, não raro, os esquece. De onde nascem novas palmeiras.

Para o consumo humano, os frutos são coletados, preferencialmente, quando já estão no chão.

Um estudo publicado pela revista Scientia Amazônia, em 2019, fez um levantamento da cadeia produtiva do tucumã comercializado por vendedores (ambulantes, fixos e feirantes) em Manaus.

Segundo o estudo, a principal origem dos frutos (por peso) eram os municípios de Terra Santa (PA): 18.211 kg; Urucará (AM): 20.128 kg; Rio Preto da Eva (AM): 10.954 kg; Autazes (AM): 7.303 kg; Boa Vista (RR) e Itacoatiara (AM), cada um com 3.651 kg; e Nhamundá (AM): 2.738 kg e as demais cidades somadas com 16.431 kg.

Locais das plantações de tucumã que abastecem Manaus (Roraima, Amazonas e Pará). Fonte: Scientia Amazônia, 2019.

Em 2018, eram comercializados mensalmente cerca de 83 toneladas de tucumã. Estima-se que cada vendedor recebia e vendia, em média, pouco mais de 1 tonelada mensal.

A polpa corresponde a 25% do peso do fruto. Ou seja, eram quase 21 toneladas de polpa de tucumã consumidas mensalmente, apenas segundo o recorte do estudo.

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O tucumã encareceu

Por ser muito apreciado como iguaria culinária, o tucumã vem expandindo o seu mercado e aumentando o seu preço no Amazonas ao longo dos últimos 20 anos.

Justamente, algumas cidades do Pará estão entre os principais fornecedores do fruto para a capital amazonense, sobretudo, na entressafra, período em que não há tucumã para coletar.

Na Amazônia ocidental, de onde vêm a maioria dos tucumãs que chega até a capital, a época de safra é entre janeiro e abril.

Como disse, a Amazônia não é um todo uniforme. Assim, o tucumãzeiro não dá frutos ao mesmo tempo em toda a região. Depende do regime de chuvas que, igualmente, varia.

Assim, a alternância do local fornecedor é uma estratégia dos vendedores para manter o mercado abastecido.

Ilmara Duarte, 27 anos, vende tucumã há cinco anos.

Sua família paterna comercializa o fruto há duas gerações.

Em sua banca, ela vende tucumã e a polpa. O coco descascado é vendido para um artesão que o utiliza na produção de artesanato.

Ela nos informou que um saco de tucumã com 45 quilos do fruto custa 350 reais na entressafra. Cada saca gera cerca de 6 quilos de polpa.

Sobre a polêmica em torno do fruto, Ilmara crê que o conteúdo não soube contextualizar o mercado do tucumã.

“Ao meu ver, não souberam explicar. Pois tem realmente umas áreas do Pará que não conhecem o tucumã, usam tucumã para comida de porco porque pensam que é veneno pra gente”.

Ela conta que, quando seu avô começou a vender tucumã, há cerca de 40 anos, o tucumã era menos valorizado. A dúzia era vendida a 5 reais. Hoje, ela vende por 20.

Porém, segundo ela, foi justamente depois que a Natura passou a buscar o tucumã como insumo cosmético, o fruto encareceu.

“Vinha muito fruto. Agora, depois que a Natura descobriu que tem um óleo dentro que faz bem pra pele, aumentou muito o preço”.

Se assim for, podemos relacionar o encarecido tucumã nos últimos anos, ao que ocorreu com o açaí e a castanha.

Ao serem inseridos no mercado nacional, ambos encareceram para o consumo interno. Pois, para as cooperativas, é mais vantajoso vender seus produtos para a indústria e o comércio nacional.

Se tomarmos como referência os números apresentados pelo programa de Luciano Huck, só a cooperativa de Irituia, nordeste do Pará, fornece para a Natura de 80 a 86 toneladas de tucumã por mês.

O que corresponde às 83 toneladas comercializadas mensalmente por vendedores de tucumã em Manaus em 2018.

É de se supor que o comércio interno do fruto esteja, de fato, competindo com a produção de cosméticos. E, por esse motivo, encarecendo o fruto no seu maior mercado consumidor como alimento, a capital amazonense.

Outra inconsistência do conteúdo foi atribuir à Natura a descoberta do potencial cosmético do tucumã.

Afinal, os atributos cosméticos desse e outros insumos, são antigos conhecidos dos povos amazônicos.

O que empresas como a Natura fazem é confirmar tais saberes segundo parâmetros científicos. E estudá-los como produtos industrializados e comercializáveis.

Para agregar valor aos seus produtos, a Amazônia é utilizada como uma marca, acionando o imaginário de uma biodiversidade ainda por ser descoberta.

Em um trecho do conteúdo exibido, Luciano Huck pergunta às cooperativadas “e quem deu valor para o tucumã?”.

Ao que elas respondem: “A Natura”.

Fotos: Dassuem Nogueira/ especial para o BNC Amazonas