O trabalho invisível das professoras 

A exaltação delas como “rainhas do lar” é, na verdade, um pseudo-reconhecimento

O trabalho invisível das professoras - arte Gilmal - artigo Aldenor Ferreira

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 11/11/2023 às 02:00 | Atualizado em: 11/11/2023 às 03:32

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) deste ano foi: “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade”. Trata-se de um tema extremamente relevante e atual. Isso, pois, sabe-se que as mulheres na sociedade moderna trabalham muito mais do que os homens. 

Neste âmbito, tratarei hoje da jornada vivida pelas mulheres que atuam como professoras, seja no nível da educação básica ou no nível da educação superior. Estas mulheres, assim como as outras de outros setores e segmentos, são “presenteadas” diariamente com uma tripla jornada de trabalho. 

Invibilização

Para além da falta de reconhecimento do trabalho desenvolvido por elas em sala de aula ou, ainda, no âmbito da realização de suas pesquisas, há também a invibilização daquilo que se convencionou chamar de economia do cuidado.   

Conforme a definição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em um documento intitulado “Care Work and care jobs for the future of decent work” (2018), a economia do cuidado é definida como “tarefas e interações relacionadas à atenção das necessidades físicas, psicológicas e emocionais de adultos e crianças, independentemente de sua idade, bem como de pessoas idosas e jovens, independentemente de sua condição de saúde”.

Estas tarefas, em uma sociedade culturalmente machista e misógina como a nossa, são quase sempre atribuídas às mulheres. Isto ocorre porque há um processo de socialização feminina construído em bases desiguais. A elas cabe o aprendizado relacionado ao cuidado. Já os homens não são socializados da mesma forma. 

Professoras

No caso das mulheres professoras, elas precisam dar conta de suas carreiras (atividades de ensino, pesquisa e de representação) e, também, de suas casas, cônjuges, filhos e filhas. Mesmo aquelas que não são casadas ou que não têm filhos(as) não escapam das atividades domésticas. 

Todavia, o trabalho doméstico, invisível, é um dos mais extenuantes que há. Em outras palavras, é o tipo de trabalho que podemos classificar como trabalho pesado. É uma atividade rotineira que precisa ser realizada, sob pena de travar todo o desenvolvimento das demais atividades cotidianas. 

Neste sentido, precisamos, definitivamente, extinguir o romantismo das análises relacionadas à vida cotidiana das mulheres. Elas não são heroínas e, também, não possuem superpoderes. As mulheres se fatigam. Elas se machucam e adoecem. Não podem, portanto, ser as únicas responsáveis pela administração de uma casa.

As mulheres professoras têm uma carreira para ser administrada. Uma carreira tão importante como a dos professores. Não há nada que diferencie as atividades de ensino, pesquisa e extensão feitas por homens ou por mulheres. Neste sentido, elas precisam ter as mesmas condições de trabalho para que possam realizar seus estudos e pesquisas sem desenvolver nenhum tipo de adoecimento. 

Rainhas do lar

É preciso romper, portanto, com as normas, as tradições, as convenções e os costumes culturalmente estabelecidos que afirmam que a esfera da oikia (casa/lar) é a esfera de domínio exclusivo da mulher. A exaltação delas como “rainhas do lar” é, na verdade, um pseudo-reconhecimento. O que está por trás deste pseudo-reconhecimento são o machismo e a misoginia, disfarçados e naturalizados. 

O machismo no MEC

O trabalho doméstico das mulheres professoras é invisível, assim como boa parte da produção científica delas. Afirmo isto porque, mesmo tendo centenas de mulheres com produção científica de grande impacto nas universidades e institutos de pesquisa, por exemplo, os principais cargos de chefia em órgãos da educação são espaços de homens. À guisa de exemplo, o atual ministro da Educação é homem. Os anteriores a ele também eram. 

O trabalho doméstico e a economia do cuidado deveriam ser, de alguma forma, reconhecidos no âmbito do esforço docente das professoras. A invisibilização destas atividades no âmbito das escolas e universidades reflete o caráter desigual e machista que está incrustado na sociedade brasileira. 

Sociólogo

Arte: Gilmal