O muro caiu para o lado errado
"Sem ser leviano, não se pode falar em sucesso do capitalismo e fracasso do socialismo"

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 25/02/2023 às 02:00 | Atualizado em: 07/03/2023 às 12:10
No dia 9 de novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim. Esse evento simbolizou o fim da República Democrática Alemã e o início da queda de todo o bloco socialista da Europa. Para alguns, a História se encerrou com esse evento.
Hoje, mais de três décadas após a queda do muro, com o capitalismo dando sinais cada vez mais claros de esgotamento – ao menos para mim –, é possível afirmar que a barreira caiu para o lado errado. A hegemonia do capitalismo nas três primeiras décadas do século XXI tem produzido crises de natureza diversa por todos os lados.
Nesse âmbito, não se pode abandonar jamais a memória e a história. É preciso recordar, por exemplo, a crise financeira de 2008, iniciada pela especulação imobiliária nos Estados Unidos e que afetou o mundo todo. Porém, fora dos circuitos especializados, não ocorreu a devida democratização da informação a respeito de sua natureza e gravidade. De todo modo, sabemos que essa foi a maior crise do capitalismo desde a quebra da bolsa de Nova York em 1929.
À beira da falência
Noutras palavras, o capitalismo beirou a falência. Nesse momento, o todo poderoso mercado foi socorrido pelo Estado norte-americano, o que também ocorreu em outros países, inclusive no Brasil. É importante dizer também que não se trata de algo novo. Os EUA já salvaram o mercado inúmeras vezes no decorrer da história. Por outro lado, à guisa de exemplo, foi o Estado soviético e seu poderoso Exército Vermelho que salvou a democracia liberal burguesa do horror nazista na Segunda Guerra Mundial.
Nesse sentido, os anais da história provam que a vitória soviética na sangrenta Batalha de Stalingrado, em 1943, foi decisiva para o enfraquecimento do exército alemão e, consequentemente, para a vitória final dos Aliados contra Hitler. Noutras palavras, o socialismo, com Estado forte e economia planificada, hoje satanizado pela burguesia mundial, foi o principal responsável por recolocar a política e a economia em um cenário novamente favorável no mundo.
Havia, portanto, até 1989, um equilíbrio de forças no que diz respeito a esses dois sistemas. É importante, mais uma vez, lançarmos mão da memória e da história para dizer que capitalismo e socialismo, como bem escreveu o professor Antônio Cândido, “nasceram juntos, são irmãos siameses”. Vale apontar que o socialismo foi e ainda é fundamental para tornar o capitalismo menos selvagem, visto que a exploração sem escrúpulos está em sua essência.
No que tange aos direitos trabalhistas ou mesmo à concepção de Estado do Bem-Estar Social, por exemplo, só foi possível que ambos fossem instaurados porque nasceram como respostas ao socialismo soviético e seu avanço no mundo. Movimentos como esse, que garantiam algum direito aos trabalhadores, começaram pela própria Europa.
Assim, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, o que se viu foi o crescimento da hegemonia norte-americana e da barbárie, provocando guerras e destruição do meio ambiente em todo o mundo. De 1989 para cá, podemos elencar, a título de exemplificação, as guerras ocorridas na Bósnia, no Iraque (com duas invasões), no Afeganistão, no Iêmen, na Síria e na Ucrânia, todos com ingerência norte-americana.
Brutal concentração de renda
Não seria honesto dizer, então, que o mundo ficou melhor com o fim do socialismo europeu. Pelo contrário, o mundo está muito pior. Há, hoje, uma brutal concentração de renda, de tecnologia e de conhecimento, com os países centrais recolonizando os países periféricos por meio da venda desses aparatos.
A fome alcança mais de um bilhão de seres humanos. A destruição ambiental avançou e atingiu níveis alarmantes. Assim, causa enormes perdas, principalmente para as populações do campo da América do Sul, América Central, da África e da Ásia, que veem a cada dia seus recursos hídricos, suas lavouras e seus recursos faunísticos se reduzirem.
Por outro lado, as doenças tratáveis ainda ceifam a vida de milhões de crianças em países pobres e explorados. Ainda, o analfabetismo e a falta de emprego condenam milhões de jovens à indigência. Nesse sentido, sem ser leviano, não se pode falar em sucesso do capitalismo e fracasso do socialismo. Primeiro, porque não há emancipação das pessoas ou liberdade no sistema em que vivemos.
O Estado que, segundo Hobbes, tinha a função de proteger as pessoas, resguarda apenas um pequeno grupo abastado, detentor do poder econômico e político.
Repito, não há o sucesso do capitalismo. O que há é uma máquina de propaganda ideológica que utiliza vários meios (cinema, televisão, literatura, música etc.) para divulgar o pseudossucesso do sistema. Nesse âmbito, a definição de Marx é melhor que a de Hobbes, visto que, para Marx, “o Estado é o comitê executivo da burguesia”.
No mundo real, é esse Estado que garante o “sucesso” de determinadas pessoas e que condena a maioria à miséria física e intelectual. À guisa de exemplo, conforme reportagem da BBC, oito bilionários, entre os quais estão Bill Gates e Mark Zuckerberg, possuem juntos a riqueza de 3,6 bilhões de pessoas do mundo.
Concluo, indagando ao(à) leitor(a): essa brutal concentração de renda e o aumento exponencial da miséria são exemplos de algo que deu certo? Para mim, não. É por isso que afirmo, nisto insisto, que o Muro de Berlim caiu para o lado errado.
*Sociólogo