O mau-caratismo dos pastores presbiterianos
O título deste artigo de Aldenor Ferreira é chocante, conclusivo, mas parte de uma questão: "O que leva pastores a apoiar Bolsonaro?"

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 06/08/2022 às 05:14 | Atualizado em: 06/08/2022 às 05:14
Começo este texto com a seguinte indagação: o que teria levado os pastores da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), uma parte deles ao menos, a apoiar o governo de Jair Bolsonaro?
As respostas são muitas, com motivos os mais diversos, porém, os principais são: 1) o mau-caratismo, 2) a influência de pseudofilósofos como Olavo de Carvalho e 3) o desejo pelo poder.
Mau-caratismo
Partindo do princípio de que esses três pontos dialogam, comecemos pelo mau-caratismo. Coloco-o como o primeiro por entender que é impossível atrelar falta de preparo acadêmico e teórico ou desinformação aos pastores dessa igreja, pois, se há um lugar onde o estudo teológico e secular é levado muito a sério na formação de suas lideranças, esse lugar é a IPB. Resta, então, a escolha consciente e informada pelo caminho torpe, que associo ao mau-caratismo.
À guisa de exemplo, a formação de um pastor presbiteriano é rigorosa. São pelo menos quatro anos de bacharelado em Teologia, com acompanhamento de perto da igreja à qual o aspirante a pastor pertence. Durante o curso, ele tem uma densa carga de leitura a cumprir, com o estudo de filósofos e historiadores gregos, romanos e hebraicos.
O presbítero também deverá estudar grego, hebraico e latim, além de ter que dar conta de estudos hermenêuticos, exegéticos e homiléticos, a serem demonstrados em uma monografia de final de curso. Ademais, nas diretrizes curriculares do curso são contemplados estudos de sociologia e antropologia.
Vê-se que se trata de uma formação ampla e erudita o que, a meu ver, faz ser impossível alguém com esse acesso à educação se deixar enganar por discursos de políticos farsantes, por teorias da conspiração e por pseudofilósofos como Olavo de Carvalho. Assim, chegamos ao segundo ponto.
Pseudofilósofo Olavo de Carvalho
A pornofilosofia de Olavo pode ser claramente percebida, por exemplo, no documento do Supremo Concílio da Igreja da IPB que deliberou, em março deste ano, a excomunhão de uma membra da igreja por ela ter “pensamentos esquerdistas” – termo esse vulgarizado pelo pseudofilósofo e seus seguidores, bem como o termo “esquerdopata”.
Para piorar, segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo, fartamente replicada por outros veículos de comunicação, a igreja tem se “movimentado para impedir adesão de seus seguidores a candidatos alinhados à esquerda, visando afastar a nefasta influência do pensamento comunista” de seu ambiente. Pelo que acompanhei, a ideia é criar uma espécie de Tribunal da Santa Inquisição para caçar fiéis “esquerdistas/comunistas”.
Está tudo errado!
Essa postura não se sustenta sob o ponto de vista lógico, ontológico, teológico e, fundamentalmente, cristão, seja por estar assentada em teorias da conspiração – cujo principal referencial teórico é o pseudofilósofo –, seja por estar alicerçada em todo o lixo teórico produzido pela extrema direita norte-americana, classista, racista, xenófoba e nazifascista, com valores diametralmente opostos ao evangelho de Cristo.
Faço, então, algumas perguntas aos leitores: seria necessário repetir para os catedráticos presbíteros da cúpula da IPB, todos eles com a formação mencionada anteriormente, que nunca houve comunismo no Brasil e que há diferenças conceituais entre socialismo e comunismo? Que partidos de esquerda nem sempre são comunistas? Que, assim como toda associação humana, eles não são um todo homogêneo, havendo diversas correntes internas, até mesmo liberais em alguns deles?
Seria o caso de explicar aos doutos pastores que não existe ideologia de gênero e que as pautas relacionadas ao aborto e às demais ações afirmativas são pautas de setores da sociedade e não de um partido político especificamente, visto que não é o partido que cria e impõe as pautas, mas apenas as recebe e passa a discuti-las?
Creio que, considerando o contexto apresentando, a resposta a essas perguntas é uma só: não. Eles já sabem de tudo isso. Como dito, dada sua formação, é impossível atribuir-lhes ignorância, inocência ou desinformação.
Exemplo de Cristo
Do ponto de vista teológico, jamais Cristo expulsaria alguém de seu convívio por pensamento divergente – ele exortaria, amaria, perdoaria essa pessoa, renovando sua mente. Cristo nunca selecionou pessoas em razão de sua classe, privilégios, qualidade ou títulos. Ele dialogou com publicanos, prostituas e pobres, bebendo e comendo com eles. Ele também nunca quis saber do poder de Roma, deixando claro que o que era de Cesar a ele deveria ser dado. Acredito que essa também deveria ser a postura dos pastores, espelhando-se em Cristo.
Do ponto de vista acadêmico/filosófico, essas figuras deveriam agir como Paulo, que debateu de igual para igual com os filósofos epicureus em Atenas, discutindo teoricamente com eles, apresentando a sua cosmovisão, a sua filosofia e usando demonstração e persuasão.
Essa deveria ser a atitude desses líderes perante a situação que temos agora, afinal, se o comunismo é nefasto, seus defensores deveriam ser encarados e convencidos ou educados pela palavra, caso ela representasse o bem maior. Mas tudo indica que é mais fácil expulsar um(a) membro(a) da igreja do que fazer isso.
O método maiêutico dá muito trabalho e requer muito amor e paciência, porém, acredito que esse não é o único motivo de sua não aplicação. Expulsar os “comunistas/esquerdistas” da igreja agrada ao Palácio do Planalto, mostra fidelidade à causa nazifascista em curso no país, que tem sido tratada como “a mais santa de todas as causas” por muitos pastores presbiterianos, principalmente para a cúpula da IPB.
Desejo pelo poder
Chegamos, portanto, ao terceiro ponto: o poder. Por meio do comando do Ministério da Educação (MEC), com Milton Ribeiro, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a oficialidade da IPB chegou ao poder e lá estava até pouco tempo.
Ocorre que para chegar ao poder e nele permanecer é fundamental agradar os poderosos; sem isso é impossível ter êxito em tal empreitada. Por esse motivo, os pastores da IPB, salvo raras exceções, vêm investindo nessas relações em detrimento do sagrado, afinal, “o poder é o afrodisíaco mais forte”, como já dizia o diplomata norte-americano Henry Kissinger.
Portanto, a excomunhão de membros e a tentativa de criação de um Tribunal da Santa Inquisição para perseguir aqueles que, na cabeça olavizada dos pastores, são comunistas, não é uma questão teológica ou de regras eclesiásticas, mas, sim, uma questão política, da pior espécie, pois trata-se de subserviência aos donos do poder. Isso é opróbrio para o evangelho.
Nesse ponto cabe outra pergunta, mas dessa vez direcionada aos pastores: Milton Ribeiro será excomungado da igreja também, considerando sua passagem desastrosa, desonrosa e criminosa pelo MEC? Ele deixou por lá um rastro de incompetência e corrupção, claramente praticando tráfico de influência numa aliança escancarada com Mamon, conforme registrado em Mateus 6:24.
A esse respeito, fico me perguntando, inclusive, se o ilustre presbítero não leu Mateus – o que, reitero, parece ser impossível já que, como é comum aos pastores da IPB, Ribeiro deve ser profundamente conhecedor dos textos sagrados.
Na compreensão geral das coisas, eles sabem que Olavo é um farsante, que Bolsonaro é um engodo, que nunca houve nenhuma ameaça à livre pregação do evangelho no Brasil durante o governo do PT e que há um processo orquestrado de produção de fake news que alimenta o ódio e propaga a desinformação pelo país – aliás, fake news que, segundo Bolsonaro, fazem parte da nossa vida.
Conclusões
Diante do exposto, a resposta da pergunta formulada no início deste texto é a seguinte: o apoio de pastores presbiterianos, de parte deles pelo menos, ao governo de Jair Bolsonaro se dá única e exclusivamente por mau-caratismo, visto que, repito, não se pode falar em falta de preparo teológico, histórico, cultural, político etc. por parte deles.
É o mau-caratismo que permite a essas figuras se coadunarem com as asneiras do pseudofilósofo, que permite a subserviência aos poderosos para perseguir fiéis, tudo com o objetivo de participar das benesses do poder, nada além disso. A Igreja Presbiteriana está no Brasil desde o século XIX, nunca tendo qualquer problema para sua atuação no país devido ao comunismo ou a qualquer outra ideologia política.
Por isso, finalizo esta reflexão com o texto do profeta Ezequiel, cujo capítulo 34:2, revela: “ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos”. Mas não devem os pastores apascentar as ovelhas? Pelo novo evangelho olavista/bolsonariano dos pastores da IPB, NÃO, deve-se expulsá-las, excomungá-las. Mais que isso, o desejo latente é assassiná-las – o que, se pudessem, muito provavelmente o fariam.
Temas relacionados escritos por Aldenor Ferreira
Religião e política – É hora de confrontar o erro
Manaus, uma cidade doente (parte final)
Manaus, uma cidade doente (parte 2)