O homem público, a ribalta e o declínio

"É o homenzinho que agora se tornou herói para os outros homenzinhos", destaca o autor deste artigo. Leia o que diz o jornalista Walmir de Albuquerque Barbosa.

O homem público, a ribalta e o declínio

Ednilson Maciel, por Walmir de Albuquerque Barbosa*

Publicado em: 16/06/2025 às 10:05 | Atualizado em: 16/06/2025 às 10:05

O que se convencionou chamar de “homem público” diz respeito a um construto histórico, portanto datado, sujeito a mudanças substanciais em cada etapa do desenvolvimento da modernidade.

Richard Sennett, pensador americano, tem um trabalho de referência, tido como um clássico a explicar a importância desse ator na sociedade ocidental capitalista, que ganha corpo a partir do processo de industrialização, formação das metrópoles e a redução do poder patriarcal, este muito mais afeito ao mundo rural de vida comunitária mais inclusiva.

Publicado em 1976 e editado no Brasil pela Companhia das Letras em 1988, logo, bem distante dos tempos atuais, e intitulado “O declínio do homem público”, ainda é uma referência, sobretudo para nós que fomos tocados por influências ocidentais e pelo capitalismo globalizado, mas não superamos, ainda, o machismo, o patriarcalismo e o patrimonialismo, mesmo convivendo com todas as questões da pós-modernidade.

A própria ideia de “homem público”, portanto, já suscitaria uma grande discussão de gênero que nos levaria a outras platitudes.

Outrossim, para o nosso propósito, esse declínio é mesmo referente aos “homens públicos” que temos e com os quais convivemos.

Se por um lado o homem público foi hegemônico no século após o “ancien régime”, quando era rara a presença da mulher no campo da política, por outro, a presença feminina na vida urbana é real e passa a ser fundamental nos tempos seguintes, sobretudo com o movimento feminista.

A trajetória desse homem público se fundamenta, inicialmente, na vida comunitária como liderança ligada à lealdade e ao serviço da comunidade.

O declínio desse mesmo homem público começa quando suas motivações tendem muito mais para seus próprios interesses e suas articulações se descolam desse compromisso com o bem servir. E, para uma etapa evolutiva seguinte, a sua preocupação com o culto à personalidade – o carisma e o narcisismo – como meio de obter prestígio e poder.

O que temos a partir daí são, portanto, personas que podem nos causar muitos danos:

“É o homenzinho que agora se tornou herói para os outros homenzinhos. É uma estrela: caprichosamente embalado subexposto e tão fraco a respeito do que sente, ele governa um domínio em que nada se transforma muito, até que se torne uma crise insolúvel” (O Declínio do Homem Público, p. 357).

Tocamos aqui num ponto que nos é atual e fácil de identificar: na política; e nas redes sociais, milhares de seguidores de cabeças sem miolo.

Os meios de comunicação evoluíram para o sistema que chamamos de mídia, têm papel relevante no sucesso efêmero de celebridades, de “mitos” e “tigres de papelão”, que usurpam para si o espaço público e o privatizam em função de seus interesses e/ou jogos de poder, tornando-se psicologicamente aptos a influenciar personalidades e ações desviantes, com iminente poder de catástrofe social.

O “laboratório de horrores” ou outro nome que se queira dar à seção de depoimentos perante o Supremo Tribunal Federal dos réus no processo que apura a tentativa de golpe de Estado é uma prova cabal do declínio de que se fala.

Acusado de ser o líder da organização criminosa, o ex-presidente da República do Brasil, acompanhado de quatro militares da mais alta patente, ex-membros do seu governo e o seu ex-ministro da Justiça, confirma a decadência do “homem público” no mais alto grau em nossa sociedade.

E, diga-se, ainda, na sociedade já vitimada por “influencers” comprometidos com o crime organizado; MC acusados de apologia e lavagem de dinheiro para organizações criminosas; deputada eleita com milhão de votos e cassada por patrocinar acesso/alteração de dados da justiça com a ajuda de um hacker; deputados e senadores, que aviltam o parlamento com suas “lacrações” condenáveis moral, ética e regimentalmente; jornalistas que comprometem princípios mais comezinhos do bom exercício profissional virando ventríloquos dos lobbies que patrocinam os negócios de seus patrões; economistas irresponsáveis que pregam o fim do mundo; e juízes condenados pela venda de sentenças.

Quando se chega a um quadro de delinquência de tal magnitude, já não se pode ficar parado. É preciso pugnar por uma sociedade que seja um espaço seguro e dignificante, que abrigue a liberdade, a igualdade e a fraternidade!

autor é jornalista profissional.

Foto: reprodução/Record