O hino e o futebol

O Brasil não tem especiais motivos de contentamento e não será esta Copa América que vai deixá-lo alegre

Ferreira Gabriel, Flávio Lauria*

Publicado em: 18/06/2024 às 10:09 | Atualizado em: 18/06/2024 às 10:09

Será que o Brasil morre de felicidade porque a Seleção Canarinho empatou com os Estados Unidos, mesmo sendo amistoso? Me concedo largas dúvidas a respeito.

Recordo o ruído de festanças populares que fechavam avenidas e não me deixavam dormir até o alvorecer, quando o Brasil jogava e evidentemente ganhava.

Esse jogo, pelo que me foi dado ver e ouvir, nem festa foi, a não ser por ser em Orlando.

O Brasil não tem especiais motivos de contentamento e não será esta Copa América que vai deixá-lo alegre.

De mais a mais, o Brasil percebeu que os grandes e tradicionais adversários ainda não foram enfrentados.

Em compensação, dirigentes da seleção, jogadores e a mídia se empenharam sofregamente para levar o país na conversa.

Agora, gostaria de entender as razões de tanto esforço.

De saída, confesso: quando os canarinhos desfilam no vídeo na iminência do trilo inicial, cantando o Hino Nacional, experimento uma sensação de constrangimento.

Não estou dizendo que o hino não merece respeito; pelo contrário, proclamo que o merece e muito.

Também não sustento que o hino não deve ser misturado com futebol, ou que, ao tocá-lo, procura-se transformar o espetáculo esportivo em algo similar a uma guerra. Nada disso.

Desde sempre, a cerimônia dos preliminares dos eventos internacionais do esporte obedece ao mesmo roteiro, e não há por que mudá-lo.

Além disso, não é minha intenção analisar as motivações do orgulho nacional e da paixão torcedora.

Sem contar que, conforme as circunstâncias, um belo hino tem tudo para comover.

Então, esclareço. Quando os moços da seleção, perfilados diante das numeradas, cantam o hino, sou preso de acabrunhadora suspeita.

Peito estufado, a mão sobre o coração, desconfio que cantam com o mesmo espírito com que beijam a camisa do seu clube depois de fazer gol.

Digo, a camisa contingente do time que estão servindo naquele momento e que poderão deixar de servir no fim da temporada. Este amor é sempre efêmero. Amor mesmo?

Pés bons de bola custam cada vez mais em dólares e afeição pelo uniforme é valor agregado.

O dinheiro adentrou ao gramado com ímpeto nunca dantes imaginado, com a inestimável colaboração da televisão, que faz do planeta um único estádio.

Eis o efeito globalização. Me pego a pensar que os bravos rapazes cantam o hino porque estão sendo vistos pelos torcedores a milhares de quilômetros.

Sabem que as câmaras os enquadram em close e que, portanto, convém aprender direitinho a letra, sendo a leitura labial um dos atrativos oferecidos pela televisão.

Sinto na cantoria um traço interesseiro. Na despedida de Neymar pelo Santos, o craque chorou ao ouvir o Hino Nacional, e no dia seguinte mostrou como é bom ator, aparecendo em uma das novelas da Rede Globo.

Mas, não me surpreenderei se, num dia desses, surgir no vídeo um dos irmãos Frazão entoando com fervor o Hino Nacional.

Quem sabe fosse possível organizar um número extra dentro do espetáculo: Frazão solista, acompanhado pelo coro dos agora cartolas Ronaldo e Bebeto.

*O autor é mestre e doutor em administração pública.

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