O Garantido resgatou o charango
A direção musical do bumbá da Baixa do São José está de parabéns

Mariane Veiga, por Aldenor Ferreira
Publicado em: 26/04/2025 às 06:27 | Atualizado em: 26/04/2025 às 10:15
Protagonista da toada de Boi-bumbá, o charango está de volta – ao menos no álbum do boi Garantido, isso é perceptível.
A direção musical do bumbá da baixa do São José está de parabéns. Alder Oliveira, Enéas Dias, Fredinho Góes e outros brilhantes músicos resgataram os sons e os arranjos feitos com esse icônico instrumento andino.
É importante dizer que, após a sua inclusão, o charango nunca mais saiu das toadas dos bois de Parintins. Entretanto, nos últimos anos – ao menos para mim –, sua participação era a de um mero coadjuvante. Seu som brilhante e metálico era frequentemente colocado nas camadas menos perceptíveis da mixagem.
Protagonista
O charango é protagonista da toada dos bois de Parintins. Não pode jamais ser escondido, desprestigiado ou esquecido. Foi ele quem, verdadeiramente, deu o toque distintivo, fazendo nascer a singularidade e a identidade sonora dessa manifestação cultural chamada boi-bumbá.
Pequeno, composto por 10 cordas, o charango carrega uma trajetória fascinante, marcada pela rica interação entre culturas na região dos Andes. E foi justamente essa herança andina que encontrou eco perfeito na toada – uma fusão que resultou em harmonia única. Nenhum outro instrumento se encaixou tão bem no ritmo da toada quanto o charango.
Sem dúvida, o segredo do êxito da toada está em sua singularidade: um ritmo incomparável, envolvente e empolgante, nascido da mistura de diversos elementos culturais, da criatividade popular e da combinação inspirada de vários instrumentos. Entre todos eles, o som brilhante e ressonante do charango sempre se destacou.
Sociólogo em êxtase
Em uma produção musical complexa e de grande vulto, como a dos álbuns dos bois de Parintins, a utilização de vários instrumentos é fundamental. A toada foi enriquecida com a introdução de pads, synths, metais, órgãos, guitarras, percussão, dentre outros.
No entanto, todos esses instrumentos e timbres são comuns em muitas músicas populares brasileiras. Já o charango, não. No Brasil, com exceção das toadas dos bois de Parintins, ele aparece pouco. Sua introdução nas toadas do boi-bumbá foi fundamental para a construção de um ritmo original, que nasceu em Parintins e se espalhou para a toda a Amazônia.
Dentro desse contexto, de forma bastante inteligente e criativa, os produtores do álbum de 2025 do boi Garantido colocaram novamente o charango no primeiro plano da cena musical. Isso pode ser observado na toada Perrecheologia, onde o charango reina absoluto já nos primeiros acordes da introdução. Com isso, os produtores não apenas lhe devolveram o protagonismo merecido, como também levaram este humilde sociólogo torcedor ao êxtase.
É isso que reivindico na toada. Esta é a minha luta: espaço para o charango – com arranjos feitos para ele – e não apenas uma sombra. Além disso, no álbum de 2025, nas toadas Boi do Povo, Boi do Povão, Artesã da Amazônia, O Garantido é Pressão e Perreché Arretado, o charango está lá: vivo, audível, brilhante, nutrindo a originalidade da toada.
Conclusão
Concluo este texto com sinceros agradecimentos ao presidente do Boi do Povão, Fred Góes, ea seus diretores musicais, Alder Oliveira, Enéas Dias, Fredinho Góes, por resgatarem a essência das toadas.
Cada ritmo tem o seu instrumento emblemático, aquele que não pode faltar jamais, o seu protagonista. O samba tem o cavaquinho, o rock tem a guitarra, o forró o acordeom, a música clássica o violino etc. A toada tem o charango. Ele é o seu elemento distintivo. Ponto!
Além disso, a toada não deve ser uma imitação barata de axé music, de piseiro, de calypso, de forró ou qualquer outra tendência e estilo musical presente em nosso país. Certamente, ela não pode ficar parada no tempo, precisa acompanhar as mudanças tecnológicas, sociais e culturais. Não defendo a estagnação em nome da tradição.
Na verdade, o que defendo é exatamente o que os produtores musicais do boi Garantido fizeram este ano: modernizar sem perder a identidade. Inovar sem perder a tradição. É algo muito difícil de ser feito – mas eles fizeram. E, por isso, estão de parabéns.
O álbum de 2025 está um primor. Timbres perfeitos, naipes de metais equilibrados, instrumentos harmonizados, arranjos sofisticados e modernos. Um verdadeiro espetáculo de criatividade. Se jurado eu fosse, daria nota dez!
O autor é sociólogo.
Ilustração: Gilmal
Arte: Gilmal