O efeito Bolsonaro e os “desigrejados”

"Um fator tem sido decisivo para a saída quase em massa de fiéis das igrejas, principalmente das igrejas evangélicas"

Desigrejados Arte Gilmal para artigo de Aldenor Ferreira

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 13/08/2022 às 00:01 | Atualizado em: 08/10/2024 às 16:44

Conforme escrevi aqui, nesta coluna, o efeito Bolsonaro é a banalização do mal, o culto à violência e à intolerância, bem como o desprezo pela vida. Como um câncer em metástase, esse efeito penetrou em todos os segmentos da sociedade brasileira, criando uma atmosfera de ódio e de fomento ao confronto.

Não há uma única instituição desta terra invadida por Cabral que não tenha sido afetada pelo efeito Bolsonaro. Desde a empresa, passando pela escola, pela universidade, pela família, pela igreja, pelo clube, pelo sindicato, pelo partido político, pela imprensa, enfim, por todos os lugares, há situações de conflitos e desavenças, discórdias e divisões.

A partir desta constatação, quero tratar hoje da relação do efeito Bolsonaro com o aumento do número de desigrejados no Brasil, uma situação que tem afetado milhares ou mesmo milhões de pessoas em nosso país e que recrudesceu com a ascensão da extrema direita ao poder central, cujo maior representante é o atual presidente, Jair Bolsonaro.

Os desigrejados, definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como “evangélicos não determinados”, são pessoas que, por algum motivo, deixaram de frequentar igrejas cristãs, sejam elas católicas ou evangélicas. Essas pessoas continuam com a sua fé, porém não conseguem mais encontrar uma igreja que possam frequentar e em que consigam se introduzir de maneira harmoniosa.

Sabe-se que a inserção em novos grupos é sempre uma tarefa árdua, uma vez que há sempre os “estabelecidos” e os “outsiders”, que chegam posteriormente. Essa situação gera, certamente, o estranhamento e a desconfiança, para lembrar, aqui, do texto do sociólogo alemão Norbert Elias.

É importante que se diga também que o abandono da igreja não é um fenômeno novo, uma vez que sempre houve casos dessa natureza, quase sempre motivados por fatores ligados à liderança – como o autoritarismo, a identificação de algum tipo de corrupção, falsas promessas de prosperidade e cura, preconceito de classe, entre outros.

Todavia, nos últimos quatro anos, um fator tem sido decisivo para a saída quase em massa de fiéis das igrejas, principalmente das igrejas evangélicas: a promiscuidade entre a política e a religião. Essa relação medieval, nada republicana nem laica, tem revelado o mau-caratismo e a hipocrisia das lideranças eclesiásticas e da política. É aí que está o elo do efeito Bolsonaro com o aumento do número de desigrejados.

E por que isso tem ocorrido de maneira exponencial? A resposta é simples: não há outra solução para quem não tem uma cosmovisão nazifascista a não ser abandonar a igreja, pois elas foram tomadas de assalto pelo bolsonarismo. Para quem cultiva o espírito democrático, progressista e libertário, é impossível conviver com o novo evangelho miliciano-nazifascista-bolsonariano adotado por boa parte das igrejas cristãs brasileiras atualmente.

A convivência se torna impossível do ponto de vista ético e prático, uma vez que, caso seja identificado alguém com um perfil “desviante” no meio da congregação bolsonaresca, ele(a) certamente será perseguido(a) ou até mesmo excomungado(a), conforme expus no texto da semana passada.

Atualmente, não há espaço algum para fiéis com pensamento progressista na maioria das igrejas evangélicas brasileiras, o que também ocorre em muitas católicas. Várias dessas instituições se tornaram verdadeiras células nazifascistas, salvo, claro, as raras e doces exceções.

A lógica nazifascista e miliciana adentrou os templos a partir do mau-caratismo das lideranças e se espalhou pela membresia, fazendo com que o(a) irmão(ã) na fé, cujo pensamento político seja o oposto do pregado, passe a ser encarado(a) como inimigo(a). Ocorre que, com o(a) inimigo(a), como também já colocado em coluna anterior, a relação muda totalmente da comunhão para a eliminação, o abate.

De certa forma, a excomunhão por pensamento político divergente é uma eliminação, é um abate, pois significa dizer ao fiel algo como: “vá para longe, não queremos você aqui”. Isso pode gerar a morte social de uma pessoa, uma vez que nós, seres humanos, temos o espírito gregário, precisamos do grupo, da coletividade, da comunidade para nos socializarmos e vivermos melhor.

Todavia, o “novo evangelho”, o qual denomino de miliciano-nazifascista-bolsonariano, tem produzido nas igrejas cristãs comportamentos extremamente perversos, que aniquilam qualquer possiblidade de generosidade, solidariedade, acolhimento, inserção, enfim, de amor dentro das comunidades.

Não é à toa que o discurso de ódio e os ataques às instituições da república, vindos de dentro das igrejas, são algo comum agora. Há diversos vídeos que circulam nas redes sociais em vemos pastores orando para que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tenham mortes horríveis e sejam destruídos. Ademais, a propagação de notícias falsas nas redes sociais feitas por evangélicos é um dado de realidade, assim como a manifestação pró-armas de fogo, inclusive com justificativa bíblica para tal.

Está tudo errado!

O evangelho da igreja brasileira, hoje, não é o mesmo de Cristo e dos apóstolos. Na maioria dos templos evangélicos do Brasil de Bolsonaro, Cristo seria impedido de entrar e de fazer a sua pregação. Muito provavelmente, até Ele seria excomungado.

Uma coisa é certa: caso o efeito Bolsonaro, definido no início deste texto, continue presente nas instituições, mudando sua natureza e seu propósito, esses espaços se consolidarão cada vez mais em pilares de ódio e nazifascismos, com o número de desigrejados aumentando cada vez mais.

*Sociólogo