O efeito Bolsonaro
"No Brasil de Bolsonaro, que é de ódio puro, não há disposição para o diálogo, pelo contrário, há deliberações do confronto"

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 09/07/2022 às 00:01 | Atualizado em: 08/07/2022 às 21:21
Uma parte da sociedade brasileira está feliz com o efeito Bolsonaro, outra parte, a maior, com certeza, está abismada, cansada de ver e ouvir reiterados absurdos. Todavia, apesar do cansaço, essa parcela da população não está esmorecida e, a cada dia, toma consciência de que é preciso dar cabo a essa situação.
Mas, afinal, o que é o efeito Bolsonaro?
A resposta é simples, o efeito Bolsonaro é a banalização do mal, o culto à violência e à intolerância, o desprezo pela vida, mas é, acima de tudo, a boca difusora do pior sentimento que há na sociedade brasileira: o ódio de classe.
Com ele, abriu-se a “caixa de Pandora” que estava nos recônditos da sociedade nacional. De acordo com a mitologia grega, quando Pandora, vencida pela curiosidade abriu a referida caixa, todos as desgraças do mundo foram libertas. Dentre elas, estavam a discórdia e as doenças do corpo e da alma.
Fico tentando encontrar outro país que viva uma situação semelhante à do Brasil e tenho dificuldades, afinal, em que país a discórdia tem sido fomentada oficialmente, tratada como política de Estado? Em que nação o povo se encontra tão doente da alma a ponto de conceber a verdade como mentira e a mentira como verdade, rechaçando a virtude e exaltando o mau-caratismo?
Eu não consigo encontrar, mas talvez a ignorância possa estar em mim. O que tenho certeza é que o efeito Bolsonaro está presente em todos os segmentos da sociedade brasileira. Não há uma única semana em que não ocorra a sua manifestação.
Relembremos, brevemente, três episódios que são exemplos perfeitos da atmosfera odienta pela qual passa a sociedade nacional: o caso do procurador que espancou brutalmente a colega de trabalho, os ex-deputados bolsonaristas cassados se agredindo em plena via pública em Curitiba e o caso do porteiro de um condomínio em São Luiz, no Maranhão, que foi agredido e teve o cano de uma arma aponta para si por um condômino.
No caso do procurador, talvez seja apenas coincidência, mas o agressor tinha, em seu perfil nas redes sociais, a frase “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!” – lema da campanha de Bolsonaro.
No que tange às cenas deprimentes dos ex-deputados se agredindo em plena via pública, não precisamos ir a fundo para falar o óbvio, eles eram ou ainda são bolsonaristas.
Já o caso do porteiro agredido no Maranhão é claramente um efeito do culto às armas – traço marcante das promessas de campanha de Bolsonaro e alvo de várias medidas que visaram facilitar seu acesso no país. A lista semanal de cenas de violência, ódio, intolerância, racismo, homofobia, xenofobia etc. é quase interminável.
Alguém poderá me contrapor e dizer que isso tudo não é culpa do presidente, que a violência sempre existiu e sempre existirá, ou ainda que ele não estava presente em nenhuma dessas cenas.
De fato, as ações diretas in loco não são culpa dele, mas, sim, a atmosfera de violência que ele e seus seguidores pedagogicamente criaram, de forma reiterada. É isso que eu estou chamando de efeito Bolsonaro.
Aldenor ferreira, sociólgo
É importante destacar que eu afirmo que a atmosfera foi pedagogicamente criada por Bolsonaro e sua gangue porque existe uma coisa chamada instituição Presidência da República. Ou seja, o mandatário da Nação não é uma pessoa comum, ele não representa a si mesmo, ele não é apenas uma pessoa que ocupa um cargo público, ele é a representação institucional da própria Nação.
Ocorre que a instituição Presidência da República foi rebaixada por Bolsonaro; a importância do cargo, o glamour, a sua liturgia, o seu caráter pedagógico foram vilipendiados pelas falas misóginas, preconceituosas, autoritárias, homofóbicas e racistas do presidente.
Isso produz nas massas o efeito de “autorização”, já que, uma vez que o chefe maior da nação age dessa maneira, “eu também estou autorizado a agir”. Nesse sentido, didaticamente, ele “ensina”, por meio de suas falas e comportamentos, como fazer, como se comportar e como praticar o ódio e a violência.
Relembro, então, um antigo provérbio chinês que diz: “uma centelha pode incendiar toda a pradaria”, do qual interpreto que mandatários têm o poder de contagiar a população. Eles possuem um caráter didático-pedagógico em suas ações e falas que, para o bem ou para o mal, influencia pessoas; noutras palavras, eles são sempre centelhas.
Assim, na atmosfera social no Brasil de Bolsonaro, que é de ódio puro, não há disposição para o diálogo, pelo contrário, há deliberações para o fomento e a agudização do confronto – a famosa “lenha na fogueira”. O que estou argumentando pode ser comprovado diariamente.
Para concluir, assinalo um dos principais danos causados pelo efeito Bolsonaro: transformar adversários políticos em inimigos. Esse é tão danoso quanto os outros, pois com o adversário deveria haver diálogo, réplicas e tréplicas, ou até mesmo seu convencimento de que determinado ponto de vista é o mais acertado em alguns contextos. Com o inimigo isso não ocorre, afinal, a relação é de eliminação, de abate.
O ponto positivo dessa história é que a cada dia mais pessoas tomam consciência de que esse efeito é danoso ao país, não condizendo com o “Brasil brasileiro, o mulato inzoneiro” de Ary Barroso. A partir dessa consciência, muitos estão abandonando o bolsonarismo e aderindo à candidatura de quem possui o dom do diálogo, da conciliação, do amor, o único que pode nos livrar desse mar de ódio propagado por Bolsonaro e sua malta.
Nesse sentido, podemos ser otimistas e acreditar que o efeito Bolsonaro irá finalmente passar, ou pelo menos será reduzido, retornando e ficando circunscrito aos lugares lúgubres das “famílias de bem” de onde nunca deveria ter saído.
*Sociólogo
Ilustração: Gilmal