O complexo de “vira-lata” virou doutrina
Artigo analisa impactos geopolíticos e resgata o “complexo de vira-lata” diante da carta de Trump ao Brasil.

Por Walmir de Albuquerque Barbosa
Publicado em: 11/07/2025 às 11:52 | Atualizado em: 11/07/2025 às 11:52
O que significa “complexo de vira-lata” no Brasil?
Fala-se de uma teoria, como mera opinião, mas, na verdade, o “bordão” foi criado por Nelson Rodrigues, jornalista conservador brasileiro, na década de 1950, para caracterizar atitudes e comportamentos de vários estamentos da sociedade brasileira, notadamente da elite, da classe média alta e de intelectuais e artistas que se esforçavam para imitar, copiar ou viver o modo de vida e de pensar dos povos ditos “civilizados” europeus e americanos, o que reflete um complexo de inferioridade ao considerar os cânones do eurocentrismo ou do “americanismo” como superiores aos nossos, em todos os aspectos.
Assim, para almejarem a condição de civilizados, aceitavam acriticamente o pensamento intelectual vigente e as instituições estrangeiras em desprestígio às próprias.
Evidentemente, não se trata de renegar o conhecimento como patrimônio universal, seja ele na ciência, nas artes, nas conquistas por direitos e por dignidade e igualdade.
Não somos ocidentais!
No entanto, compartilhamos muitos valores, linguagens e outras instituições culturais em decorrência do processo de colonização por povos de origem europeia.
“Civilização ocidental” é uma categoria analítica criada a partir dos conceitos de raça, cultura e história, que só se reconhece abarcando os povos da Europa ocidental, América do Norte, Nova Zelândia e Austrália.
Foi construída pelo ocidente europeu para diferenciar-se do Oriente, onde vivem civilizações milenares e não herdeiras da tradição judaico-cristã.
Latino-Americanos, caribenhos, africanos, povos outros da Oceânia (povos originários) – independentemente da localização geográfica que habitam – são, portanto, “decolonizados”, isto é, viveram sob o domínio de europeus.
A compreensão desses conceitos nos ajudam a entender a geopolítica do momento, sobretudo, os arroubos imperiais de Donald Trump e suas perseguições a estrangeiros, o ódio aos imigrantes na Europa, o medo dos Brics, a repulsa à ideia de um sul global como novo bloco econômico e, de resto, dá-nos um entendimento mais preciso do que nos dizem os economistas, os políticos e os jornalistas “vira-latas” brasileiros, a quem nos referimos, que povoam a mídia, o mercado e o parlamento brasileiro como vivandeiras de plantão, em busca de vantagens, prestígio e glamour.
Não se pode ignorar, também, que a Guerra Fria e o triunfo do capitalismo avançado, liderado pelos Estados Unidos da América, levaram-nos à globalização da economia e à formação de blocos que se defendem de desvantagens no ganho de capital econômico e político.
O desgaste do modelo e as necessidades de ajustes viram nascer outras forças emergentes, que interferem no sistema de trocas comerciais e na balança da governança mundial, daí as guerras, daí os atritos entre grupos de interesses.
A esses problemas, juntam-se todos os outros não resolvidos anteriormente, criando um caldo político para o ressurgimento da extrema direita, forte aliada a tudo que não presta e que pensávamos ter destruído: o fascismo; o ódio religioso e racial; preconceitos diversos; autoritarismo como marca de poder do estado; cancelamentos na vida pessoal e o oportunismo dos “vira-latas”.
Em todos os países e continentes, nos fóruns de discussão dos problemas mundiais e na vida cotidiana, eles estão presentes.
A “carta de Trump” à Lula é um espelho de tudo isso!
No Brasil, tais forças cresceram e continuam a crescer na luta pelo poder político. O capitalismo financeiro, concentrado nas mãos de poucos, juntou-se aos herdeiros dos latifundiários, estes com ramificações nas forças armadas e no agronegócio próspero das commodities; aos infiltrados nos aparelhos de estado e partidos políticos; aos “novos ricos” do empreendedorismo; e aos de lugares tenebrosos do crime, que nem sempre podemos identificar.
No Brasil, tais forças cresceram e continuam a crescer na luta pelo poder político.
O capitalismo financeiro, concentrado nas mãos de poucos, juntou-se aos herdeiros dos latifundiários, estes com ramificações nas forças armadas e no agronegócio próspero das commodities; aos infiltrados nos aparelhos de estado e partidos políticos; aos “novos ricos” do empreendedorismo; e aos de lugares tenebrosos do crime, que nem sempre podemos identificar.
Os que pensaram um país mais livre das desigualdades foram em parte derrotados e substituídos por “novos talentos”, que de yuppies passaram a consultores financeiros, articuladores dos interesses do mercado com políticos no poder da governança do estado.
O submundo das redes sociais juntou-se aos comunicadores orgânicos, que vendem os seus serviços e o seu cinismo, formando uma opinião favorável ao status quo.
O “viralatismo” que carregam desde a origem e o adquirido nas novas práticas virou doutrina e presta-se ao serviço de obnubilar as consciências e perenizar a ignorância!
*O autor é jornalista profissional.
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Foto: imagem gerada por IA