O choro de Lula é o meu também

"Eu chorei também, pois sei exatamente o que ele pensou naquele momento"

O choro de Lula Aldenor Ferreira

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 19/11/2022 às 00:50 | Atualizado em: 19/11/2022 às 00:50

Nesta semana, ao falar de seu desejo de acabar novamente com a fome no Brasil, Lula se emocionou e chorou. Ao assistir ao vídeo com a sua fala, eu também me emocionei e chorei. 

Não há nada de vergonhoso nessa atitude, muito menos ela é um sinal fraqueza ou qualquer tipo de encenação, afinal, o choro faz parte da fisiologia humana, sendo a materialização de nossos sentimentos e emoções.

Em uma definição mais técnica, conforme apontam Betina Lejderman e Sofia Bezerra no texto Choro: um complexo fenômeno humano (2014), vemos que ele é

“[…] um fenômeno complexo que envolve questões neurobiológicas, psicológicas e sociais, dependente da interação entre as experiências iniciais da vida, das características individuais que predispõem a certas formas de expressão ou inibição das emoções, do contexto social e do evento que desencadeia certo sentimento. É um reflexo psicogênico resultante da interação entre as áreas do sistema límbico do cérebro que regulam a experiência consciente das emoções internas e das respostas fisiológicas […]”.

A emoção de Lula, manifestada em seu choro, é autêntica, pois ele estava falando de algo que viveu. Ele viu, ouviu e sentiu em seu próprio corpo o flagelo da fome. Eu entendo que talvez seja bem difícil ter a dimensão exata do problema quando nem de perto se passou por ele. É o caso dos tecnocratas, operadores do mercado financeiro, o segmento que mais criticou o choro do presidente eleito.

Fenômeno eleitoral

Essa turba não sabe o que é passar fome e, devido a seu mau-caráter, também não tem uma gota de empatia com aqueles que já passaram e os que ainda passam fome no país. Os maus feitores – que drenam recursos públicos há décadas no Brasil –, acusaram Lula de encenação, de populismo e de irresponsabilidade. Entretanto, Lula não precisa encenar, ele foi eleito com 60.345.999 (50,90%) dos votos, como já mencionado em alguns textos desta coluna – ele é um fenômeno eleitoral.  

Quando ele chorou, eu chorei também, pois sei exatamente o que ele pensou naquele momento. A sua mente lhe trouxe lembranças de um tempo duro vivido no agreste pernambucano. Eu também me lembrei dos dias difíceis vividos no interior do Amazonas, lembrei-me da pobreza e do trabalho hercúleo de meu pai e de minha mãe para tentar prover os bens necessários para a nossa manutenção física e simbólica. 

Minha infância, assim como a de Lula, foi vivida em períodos distintos, mas, de igual forma, difíceis. Não havia Sistema Único de Saúde, não havia energia elétrica, não havia programas sociais, não havia assistência técnica e fomento para os agricultores familiares. Até mesmo o conceito de agricultura familiar não existia.

Caboclo titânico

Na roça, no Amazonas, nas décadas de 1970/80, tudo era feito a partir da força do caboclo titânico, para citar, aqui, o termo de Euclides da Cunha relacionado ao habitante da Amazônia profunda. 

Caboclo titânico é a versão amazônica do sertanejo forte nordestino. Na análise euclidiana, esses sujeitos sociais possuem enorme capacidade de adaptação a esses biomas, pois, de certa forma, domavam e ainda domam a natureza desses territórios. Assim, não restam dúvidas de que, de fato, há um elo cultural e social entre o Nordeste e o Norte, uma ligação que parte do Brasil litorâneo do Sul e Sudeste não conhece e não tem a menor intenção de conhecer.

Ademais, como bem descreveu o professor Jessé Sousa, a elite nacional – que está toda representada na bolsa de valores, grupo que “reagiu mal” às declarações do presidente eleito – é um atraso ao país. Precisamos combater o flagelo da fome e taxar, por exemplo, suas fortunas, cobrando impostos sobre seus lucros e dividendos. Somente dessa forma poderemos combater a fome e a desigualdade social em nosso país de maneira contínua.

Portanto, o choro de Lula é o meu choro também, somando-se às lágrimas de milhões de brasileiros que estão hoje em extrema pobreza, vulneráveis e entregues à própria sorte. Uma sorte que a máfia do mercado financeiro – cujas falas são reverberadas pela máfia de jornalistas traidores da pátria – não faz a menor questão de mudar. 

*Sociólogo